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TCU forma maioria para aprovar processo de privatização da Eletrobras

Por Folha de São Paulo

18/05/2022 17h36 — em
Economia



BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O TCU (Tribunal de Contas da União) formou maioria para aprovar o processo de privatização da Eletrobras, conforme indicação de voto dos ministros em julgamento na tarde desta quarta-feira (18). A decisão dá passe livre para o governo abrir mão do controle da maior empresa de energia da América Latina.

Como costuma ocorrer em momentos decisivos nos processos de privatização, as horas que precederam o julgamento foram tensas.

Ainda na noite de terça-feira (17), causou apreensão o voto do ministro Walton Alencar. Ele defendia uma mudança no cronograma nos aportes da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico), que buscam reduzir o peso dos encargos e aliviar a conta de luz.

Alencar propôs que não houvesse o repasse de R$ 5 bilhões, previsto para 2022.

A lei de desestatização não traz um cronograma, então, a mudança, na análise do ministro seria um ajuste fino que não comprometeria o processo.

Bancos que acompanham a oferta, no entanto, alertaram para outro risco: o calendário atual foi submetido à AGE (assembleia geral extraordinária), e a mudança poderia levar a nova assembleia, o que adiaria a capitalização em até 50 dias, jogando o prazo para um limite perigoso.

No final da manhã, circulou a informação de que a Eletrobras seria tirada da pauta do julgamento do dia. Na verdade, o ministro relator, Aroldo Cedraz, recebeu solicitação nesse sentido, mas não concedeu.

Houve protestos também. Um grupo se concentrou na entrada da sede do TCU, em Brasília, para se manifestar contra a venda.

VOTO DIVERGENTE LISTA ILEGALIDADES

Na abertura do julgamento, o ministro Vital do Rêgo Filho propôs, antes mesmo de apresentar o seu voto divergente, uma discussão preliminar.

Reforçou que o tribunal já havia autorizado a realização de fiscalização dos procedimentos adotados pela Eletrobras para provisionamento de contingências relacionadas a demandas judiciais do empréstimo compulsório de energia, observando o balanço do terceiro trimestre de 2021.

Como o resultado dessa fiscalização poderia alterar o valor da companhia, ele propôs sustar o julgamento. Essa proposta preliminar, porém, foi rejeitada por sete votos a um.

Em seu voto divergente, Vital do Rêgo apresentou uma lista do que chamou de irregularidades.

Destacou, por exemplo, os dividendos devidos pela Eletronuclear à União. Segundo ele, criam distorções, e precisam ser pagos antes da para não gerar problemas futuros. Estão acumulados, desde 2010, R$ 2,7 bilhões em dividendos não pagos.

Pela proposta, ENBPar, uma nova estatal, controlada pela União, vai assumir as operações da área nuclear, mas Rêgo reforçou que, se no futuro os dividendos devidos forem pagos, ao final, a nova Eletrobras será titular das maioria das ações ordinárias e preferenciais da Eletronucelar, todas com direito a voto, enquanto não houver o pagamento.

"A política nuclear brasileira vai ser privatizada", diz Vital do Rêgo. "Não me diga que vamos acertar depois, precisa ser visto antes."

Sobre o tema, também questionou a ausência de consulta aos órgãos responsáveis pela Política Nacional Nuclear, em especial a recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Nacional.

O ministro questionou também o valor declaro para Itaipu. Foi calculado que ela vale, pelo capital social, e não pelo fluxo de caixa, R$ 1,2 bilhão. Essa subavaliação ajuda a melhor o valor da ação da nova Eletrobras e, ao mesmo, tempo facilita a aquisição do governo. Mas, reforçou o ministro, Itaipu tem um valor muito maior.

O ministro questionou ainda as avaliação independentes, que teriam cometido erros na estimativa de preço de venda de longo prazo. Entre os exemplos estavam os valores de Furnas, Chesf, Eletronorte e Ceteep, de transmissão, cujo resultado seria R$ 9,3 bilhões adicionais, afirmou o ministro.

Outra diferença de avaliação que reforçou foi a da dívida. Ocorreu uma diferença de R$ 30,64 bilhões no cálculo do endividamento líquido ajustado da Eletrobras, disse ele.

"Não sobraram miudezas para discutir", afirmou Vital do Rêgo Filho. "Temos erros de R$ 40 bilhões que precisam ser revisados antes de concluir essa privatização"

VOTOS A FAVOR

Os ministros contemporizaram que os estudos e dados apresentados pelo ministro de Vital do Rêgo Filho ampliaram o debate e aprofundaram a discussão. No entanto, tratavam de questões que poderiam ser debatidos, mas não eram suficientes para negar a continuidade do processo, por causa dos benefícios que a privatização trariam ao país.

O ministro Bruno Dantas, por exemplo, afirmou que a valuation da companhia deixou a desejar, de fato, mas que o mercado faria os ajustes necessários, e que o país precisava de uma empresa de energia moderna e capaz de investir. A privatização era o caminho para isso, defendeu.

"A economia de mercado vai dar condição para que o Brasil possa alavancar a sua competitividade", disse Augusto Nardes, acompanhado os demais ministros.

O ministro Jorge Oliveira destacou o processo de amadurecimento do processo. "Eletrobras esta indo para uma privatização que não é clássica, mas está indo com alta vantagem para o país", disse. "O Estado brasileiro não está entregando de bandeira um patrimônio, a União terá parte do resultado dos avanços que serão gerados pelo setor privado nessa capitalização."

Governo corre contra o relógio para cumprir prazo de privatização Agora, o governo corre contra o relógio para fazer a operação o quanto antes. O próximo passo é fazer o registro da operação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários, autarquia responsável por fiscalizar o mercado) e na SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM americana).

A necessidade de avisar o regulador dos Estados Unidos existe porque a empresa tem ações negociadas naquele país e, por isso, ambos os órgãos (CVM e SEC) precisam receber as informações.

Paralelamente ao pedido na CVM, já seria iniciada a etapa de apresentações em série aos investidores (o chamado "road show", que tem como objetivo atrair interessados). O governo já tem tido encontro com potenciais investidores.

Nas últimas semanas, membros do governo e da empresa afirmaram que há possibilidade de fazer a operação entre junho e o início de julho.

A data limite seria em meados de agosto, considerando o prazo legal de operações após a divulgação de balanços.

Membros do Executivo e da companhia ouvidos pela reportagem buscaram demonstrar uma visão otimista nas últimas semanas ao dizer que a privatização ainda pode acontecer mesmo após o pedido feito pelo TCU no mês passado por mais tempo de análise.

Entretanto, as condições de mercado em 2022 são reconhecidas por membros de governo e empresa como o principal risco do processo. A aproximação do calendário eleitoral tende a aumentar a tensão entre investidores e pode, por consequência, inviabilizar a operação.

Quanto mais o tempo passa, maior o risco de turbulência e de a janela de oportunidade se fechar. Alguns integrantes do governo se questionam, inclusive, se essa janela já não se fechou -embora a última palavra seja de otimismo.

O histórico de retração das ofertas em Bolsa em anos eleitorais desafia a operação da Eletrobras.

Levantamento do jornal Folha de S.Paulo com base em dados da B3 nos últimos 18 anos mostra que o número médio de operações cai 34% em anos de disputa pelo Palácio do Planalto. Considerando apenas segundos semestres, a quantidade média cai quase pela metade (46%) nos anos de corrida presidencial.

A venda de ações da Eletrobras é crucial para o ministro Paulo Guedes (Economia), que prometeu privatizações durante a campanha de 2018 e depois se disse frustrado por não ter conseguido avançar no tema (apesar de várias subsidiárias, como da Petrobras, terem sido vendidas).

Para ele, a Eletrobras não tem capacidade para investir os valores necessários para atender a demanda energética brasileira ao longo dos próximos anos. A privatização, diz, mobilizaria recursos para diversificar a matriz de geração do país, tornar a geração mais limpa, recuperar bacias hidrográficas e destinar dinheiro até para a energia nuclear.

Nas contas do ministro, a companhia precisaria investir cerca de R$ 15 bilhões por ano para manter a relevância na matriz energética brasileira, mas só consegue investir R$ 3,5 bilhões por ano. "A empresa não só se coloca em risco e vai perdendo essa fatia de mercado, [como] vai comprometendo a segurança energética brasileira", disse neste mês.

Paralelamente, o pré-candidato à Presidência e líder nas pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado a operação. "Espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobras, uma empresa estratégica para o Brasil, meses antes da eleição", afirmou Lula em fevereiro em rede social.

PASSOS PARA A PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS:

- Medida Provisória sobre o processo (concluído)

- Lei decorrente da Medida Provisória (concluído)

- Estudos (concluído)

- Audiência pública (concluído)

- Aprovação pelos acionistas (concluído)

- Protocolo no TCU (concluído)

- Julgamento do TCU

- Protocolo da operação na CVM e na SEC

- Apresentações para atrair investidores ("roadshow")

- Precificação ("pricing")

- Operação na Bolsa


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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