O policial violento e nós, os bons e cheios de virtudes
O video no qual um policial militar grita e empurra um homem que havia entrado sem permissão em pronto-socorro de Manaus para visitar o pai provocou uma onda de protestos nas redes sociais. Muita gente vomitou ódio contra ele, mas houve quem ponderasse que havia virtudes no policial. Profissão estressante e perigosa, misturada a despreparo e um poder que a arma no coldre estimula. Ninguém sabe como foi o dia desse policial, os problemas em casa, a falta de comando no quartel, as dívidas, a incompreensão da mulher. Se nos olharmos no espelho, era um de nós…
E quem era o rapaz? Um cidadão pobre, nascido para ser eterna vítima do poder, seja de um policial triculento, seja dos que buscam seu voto para que ele permaneça refém das armas, do serviço de saúde precário ou das migalhas dos programas sociais criados para encobrir os pecados dos que governam.
Estávamos ali também, se formos olhar no espelho e nos despir dos privilégios que temos, das amizades com os donos do poder, que não se recusam a tirar o respirador de um paciente quase anônimo para colocar no rosto de um amigo que indicamos.
A nossa natureza é essa. Nossa cultura é da violência. Entrar no hospital na marra, mesmo movido por sentimentos nobres, foi uma violência. Poderia significar riscos para a segurança de outros pacientes, dependendo das intenções de quem entra em uma área restrita.
Mas repreender o rapaz da forma como o policial fez, foi sim de uma crueldade sem tamanho. Violência desnecessária, descabida. Revelou, antes de tudo, falta de controle, falta de preparo para situações desse tipo - que são comuns e para as quais a policia deveria ser treinada cotidianamente.
Mesmo nesses conflitos que assistimos de longe e de certa forma nos excluímos por nos achamos bonzinhos, se mais uma vez colocarmos os olhos no espelho nos veremos dentro deles, como atores dessa violência. Seja porque como juizes julgamos ao sabor de interesses que não o da justiça, seja porque como jornalistas criticamos porque não gostamos de alguém, seja porque como qualquer cidadão anônimo apontamos o dedo para os outros sem olhar nossos pecados…
Esse episódio triste do policial agressor e do cidadão que queria ver o pai e entrou na marra no hospital tem que ser visto, por cada uma de nós, através do espelho…
Veja o video da agressão AQUI
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.