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Domingos, o gari morto em acidente de trânsito, sonhava ser ‘doutor'


Por Raimundo de Holanda

20/12/2021 18h39 — em
Bastidores da Política



Domingos Santana da Silva, o gari morto em acidente de trânsito na manhã desta segunda-feira em Manaus não sabia ler nem escrever. Mas tinha um sonho: entrar na escola e ser “doutor”. Aos 36 anos, achava que a vida só estava começando, até uma carreta, dirigida por um bêbado, bater em um microônibus em alta velocidade que caiu sobre ele. Domingos pensava no Natal. Havia recebido um rancho e um champanhe. Depois do dia de trabalho voltaria para casa. Uma humilde árvore na sala seria preenchida com pequenas bolinhas azuis e amarelas. Ele não beberá o champanhe nem verá o Natal…

Domingos trabalhava no serviço de limpeza para uma empresa terceirizada. Ganhava R$1,2 mil. O que sua esposa e filho deverão receber de indenização somente do Seguro de Danos Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, o DPVAT, após vencida a burocracia, será R$ 13 mil, oito meses de trabalho que ele deixa. Não é uma herança, é o seu sangue. Para a família, um alento, mas nada que cicatrize a grande ferida que foi aberta.

Um motorista bêbado dirigindo uma carreta, um microônibus em alta velocidade… O bêbado foi preso, mas é preciso avaliar em que velocidade o microônibus estava no momento do acidente. São situações que se combinam e produzem grandes tragédias, ceifam vidas que importam, elevam as estatísticas de mortes e sequelados, impõem pesado ônus ao Amazonas, ao serviço de saúde e aos cidadãos, de cujos bolsos sai o dinheiro para manter o Estado como conhecemos, funcionando

Poderia ser diferente se existisse em Manaus um mínimo de organização no trânsito, se os viadutos tivessem sido construídos para reduzir os congestionamentos, mas foram erguidos apenas para satisfazer a vaidade de um ou outro politico. São suntuosos em cima, mas formam na base o caos que se vê na cidade: funcionam como se fossem artérias  de transição  que fluem para vias coletoras, embaralhando o trânsito, provocando caos e grandes engarrafamentos.

Não é a-toa que a cidade está entre as 12 capitais onde há mais acidentes no País. E sabem por que? Porque os motoristas perderam a paciência, porque os governos pouco se importam com esse caos e sequer monitoram a velocidade dos veículos. Por que além da dificuldade de dirigir em meio a tudo isso, os governos tentam resolver o problema da travessia do pedestre com sinais ou faixas de segurança ao lado das paradas de ônibus, colapsando toda a malha viária e colocando em risco a vida de centenas pessoas.

Poderiam construir passarelas, mas argumentam que o povo não quer subir escadas. Brincadeira sem sentido? Ou é a vida dos outros que não tem sentido para eles ?

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Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.