Mostra de Monet no Masp evidencia leitura ecológica e impactos da industrialização
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Londres parece tão frágil e etérea quanto a névoa que paira sobre as suas ruas. É um cenário onde pontes e edifícios foram reduzidos a espectros que podem desaparecer diante de qualquer rajada de vento. Nas pinturas de Claude Monet, a capital inglesa é como uma vertigem na qual tudo que é sólido está prestes a desmanchar no ar.
Essa atmosfera volátil serve de metáfora para o mundo em constante mutação do século 19, período em que o francês pintou as suas célebres paisagens londrinas. À época, a produtividade cresceu em razão do maquinário industrial e as distâncias diminuíram com o surgimento da locomotiva a vapor. Esse processo, no entanto, não trouxe apenas avanços.
Para alimentar as engrenagens da Revolução Industrial, os recursos naturais passaram a ser explorados de forma predatória, com o aumento do desmatamento e da poluição atmosférica.
Monet, inclusive, foi testemunha desse problema. A bruma que envolve as representações das pontes de Waterloo e Charing Cross, em Londres, não é apenas um fenômeno meteorológico. Trata-se também da fumaça liberada pela queima do carvão às margens do rio Tâmisa.
Mais do que metáforas, as pinturas do impressionista são como documentos históricos. Elas mostram que o combustível do progresso foi em grande medida a degradação ambiental. É essa uma das reflexões que o público encontrará ao visitar "A Ecologia de Monet", mostra que entra em cartaz, nesta sexta-feira (16), no Museu de Arte de São Paulo, o Masp.
Com 32 pinturas do francês, a maioria delas nunca antes exposta no Hemisfério Sul, o projeto integra uma série de iniciativas que a instituição realiza neste ano para discutir o meio ambiente nas artes visuais.
"O encontro de Monet com a ecologia é um dos mais coerentes, porque é um artista que pensava esse assunto de maneira atual e moderna", afirma Fernando Oliva, que assina a curadoria da mostra ao lado de Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp.
"Ele foi um dos primeiros a pensar a noção de economia da natureza e a ideia de que não há uma separação rígida entre sociedade e meio ambiente."
Não à toa, algumas das obras retratam homens e mulheres em contato com a natureza. É o caso de "A Canoa sobre o Epte", tela em que Monet pintou duas jovens remando em um rio cercado por uma densa vegetação. A água fascinava o pintor de tal maneira que ele transformou uma embarcação em ateliê flutuante para retratar os detalhes do rio Sena.
A expografia faz jus a esse fascínio ao dividir os cinco núcleos expositivos por meio de paredes tão sinuosas quanto as curvas de um rio.
O meio ambiente na produção de Monet, porém, não é um espaço livre de conflitos. Muitas de suas obras mostram cidades que avançam sobre a natureza como se tentassem sufocá-la. Isso salta aos olhos na tela "Vista do Antigo Porto do Havre", em que o oceano parece estar emparedado entre prédios e embarcações.
"Os impressionistas foram os artistas da Revolução Industrial. Eles criaram a visualidade e o imaginário desse momento", afirma Oliva, para quem Monet traduziu de forma mais eficiente as mudanças ambientais impostas pela industrialização.
"Acho que ele estava mais atento a isso do que os outros impressionistas. A relação dele com a questão ecológica é mais potente e mais singular."
A singularidade de Monet não reside apenas no tema, mas também nas cores e nas formas. Considerado o grande representante do impressionismo, o artista sintetizava em seu fazer artístico as principais características desse movimento.
Ele era conhecido por reproduzir com esmero a variação de luz dos ambientes que escolhia retratar. Para isso, trabalhava ao ar livre e fazia várias telas sobre a mesma paisagem. A diferença, contudo, estava justamente na mudança de luminosidade ao longo do dia.
Além das cores, Monet se notabilizou por criar figuras difusas e evanescentes, como se constituíssem os elementos de uma miragem. Se hoje essa característica é reverenciada, no passado era alvo de escárnio.
Em 1874, o francês participou de uma exposição com artistas que tinham propostas convergentes, como Edgar Degas, Paul Cézanne e Pierre-Auguste Renoir. Na mostra, ele exibiu "Impressão: Sol Nascente", quadro ironizado pelo jornalista Louis Leroy. "Papel de parede em estado embrionário é mais bem-acabado do que esta marinha", escreveu o crítico francês. Não satisfeito, batizou os artistas pejorativamente de "impressionistas". O que era um insulto virou o nome de uma das vanguardas mais importantes da história da arte.
"Monet, assim como outros grandes artistas, criou algo atemporal", diz Oliva. "O trabalho dele não só faz sentido no passado, mas continua se reconfigurando ao longo das décadas. Isso se deve à qualidade e à potência de suas obras."
Opinião parecida tem Ana Magalhães, professora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. De acordo com ela, Monet e seus pares estavam interessados em tudo que dizia respeito à vida moderna, desde os hábitos de lazer da burguesia às mudanças causadas pela industrialização.
Mesmo quando pintavam o campo, diz a especialista, eles não estavam dissociados da vida urbana. "Na verdade, esses artistas estavam pintando paisagens na iminência de desaparecer por causa da produção industrial e do crescimento das cidades", diz Magalhães, autora do livro "A Canoa e a Ponte", em que estuda dois quadros de Monet.
Segundo ela, o meio ambiente aparece na produção do francês como uma resposta ao espaço áspero e estéril das cidades. "Naquele momento, a natureza era vista como uma forma de se distanciar da paisagem industrial, entendida como um lugar contaminado e degenerado."
Não por acaso, o artista decidiu construir aquilo que Magalhães descreve como um paraíso artificial. Para isso, ele comprou um terreno no vilarejo de Giverny, no nordeste da França.
Na propriedade, projetou um jardim luxuriante, onde plantou ninfeias e mandou desviar um afluente do rio Sena para criar um lago com uma ponte japonesa. A paisagem idílica inspirou algumas de suas obras mais famosas, algumas delas na exposição.
Para a especialista, a produção do artista se tornou paradigmática por ser um dos pilares da arte moderna, influenciando movimentos artísticos do século 20. Além disso, diz ela, os trabalhos são como fragmentos de um mundo que se perdeu em meio a conflitos armados.
"Eles despertam uma espécie de nostalgia. Depois do Holocausto e da destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, essas pinturas representam o reencontro com uma sociedade possível."
A ECOLOGIA DE MONET
- Quando Ter., das 10h às 20h. Qua. a dom., das 10h às 18h. Sex., das 10h às 21h. Até 24 de agosto
- Onde Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Avenida Paulista, 1578
- Preço R$ 75
- Classificação Livre

ASSUNTOS: Arte e Cultura