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'Luta pela Liberdade' tem formosura, mas parece afagar o governo chinês

Por Folha de São Paulo

17/08/2022 12h06 — em
Arte e Cultura



FOLHAPRESS - A beleza talvez tenha sido sempre a melhor --e também a pior-- qualidade dos filmes de Zhang Yimou. Seus longas iniciais, como os fascinantes "Amor e Sedução" (1990) e "Lanternas Vermelhas" (1991), traziam uma plasticidade lírica que parecia nova, inédita no mundo ocidental, que fez Zhang se tornar um colecionador de prêmios em festivais. Os quais, é preciso ser justo, se deviam também à força vulcânica de sua diva, a magnífica Gong Li.

Após uma fase mais "realista" no fim dos anos 1990, o diretor inesperadamente aderiu ao épico de artes marciais, em filmes como "Herói" (2002), e ali sua poética ficou mais espalhafatosa, menos genuína.

Apesar das esplêndidas imagens e das vistosas roupas orientais, sua obra se tornou intelectualmente rarefeita e por demais aparentada à do grande cinema comercial americano. Perdeu-se, ali, uma certa pureza e um esforço de atribuir real complexidade aos personagens -o que muitas vezes era escamoteado pelas virtudes estéticas dos filmes.

"Luta pela Liberdade" é um prolongamento dessa fase, e novamente o filme é de estonteante formosura: as paisagens na neve, a Manchúria dos anos 1930 minuciosamente reconstruída (com prédios por demais impecáveis, se pensamos que a região acabava de sofrer uma invasão militar), os figurinos elegantes.

Desta vez não há artes marciais, mas a ação está garantida com muitas cenas explícitas de violência, algumas de fato impactantes.

A história se passa em 1931, quando quatro agentes comunistas chineses desembarcam de paraquedas na Manchúria dominada pelo Japão. Eles têm por missão resgatar um compatriota preso pelos inimigos, que conseguiu escapar de um nefasto campo de extermínio nipônico.

É um thriller de espionagem que, a rigor, tem elementos de sobra para ser envolvente, com reviravoltas imprevistas, estimulantes. Mas o diretor parece tão empenhado em trazer dinamismo à tela que o filme, apesar da feitura meticulosa, por vezes vira uma confusão. Quem não tem facilidade para seguir tramas complicadas há de se perder em algum momento no meio da nevasca.

Sobretudo no começo: os personagens têm roupas parecidas (cinzentas ou pretas) e estão grande parte do tempo cobertos de neve -e como Zhang demonstra um certo pavor de fazer um take durar mais de três segundos, o espectador muitas vezes acaba sem entender direito quem exatamente está fazendo o quê (e, para piorar, são personagens que estão a todo tempo fingindo estar de um lado na trama, quando na verdade estão do outro). Há, porém, sempre vibração na narrativa, mesmo que não se compreenda 100% do que ocorre.

Contam-se nos dedos as cenas em que não há neve caindo, mas ela não é usada para reiterar o ambiente inóspito da áreaocupada ou de alguma outra forma mais alegórica. É mero elemento ornamental, como os floquinhos brancos costumam surgir nos mais triviais filmes natalinos. É meio irresistível a tentação de dizer que o filme é "frio como suas paisagens", mas não seria justo; quando muito, porém, é apenas morno.

Zhang Yimou nem sempre teve boas relações com o governo chinês, mas nos anos 1990 conseguiu uma fórmula de tecer críticas mais ou menos veladas a seu país, mas igualmente exaltando-o. Com o tempo, essa verve parece ter sumido -e se Zhang foi chamado para ser diretor artístico da (memorável) abertura da Olimpíada de Pequim, em 2008, isso mostra o quanto tem prestígio com as altas cúpulas chinesas.

É preciso lembrar, porém, um insólito evento ocorrido em 2019, quando Zhang, de última hora pulou fora da competição do Festival de Berlim, afirmando que seu longa "One Second" ainda não estava pronto. À boca miúda, corria que tinha desagradado às autoridades chinesas.

Em "Luta", ele parece pronto a desfazer qualquer querela com a censura de seu país. O fim do longa ostenta os dizeres: "Este filme é dedicado a todos os heróis da revolução!" (com exclamação e tudo), e mesmo que tal fosse a real intenção do diretor, não há como evitar a impressão de que é um grande afago ao governo chinês.

Não que não exista nada de admirável nesses revolucionários ou que Zhang não possa de fato ter tido vontade de homenageá-los. Mas há um ranço propagandístico ali, sobretudo vindo logo após o estranho evento de Berlim, que desvirtua o filme do que ele de fato parece ser: um exercício estilístico sem maiores pretensões.

LUTA PELA LIBERDADE

Quando China, 2021

Onde Nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Zhang Yi, Yu Hewei e Qin Hailu

Direção Zhang Yimou

Avaliação Bom


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