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Gerald Thomas imagina um baile tropical sobre ruínas na nova peça virtual 'G.A.L.A.'

Por Folha de São Paulo

21/09/2021 15h05 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Estou em ruínas e você me vem com essa notícia?" A personagem vivida por Fabiana Gugli grita essa pergunta ao telefone num ambiente inóspito, com um único barco já meio afundado. A essa voz do outro lado da linha --e do outro lado da tela--, ela anuncia que Samuel Beckett, o dramaturgo irlandês, não está mais lá. "Chega de Beckett!"

É uma espécie de desabafo que Gerald Thomas cria nessa que é sua segunda peça virtual durante a pandemia, "G.A.L.A.", com estreia nesta quarta-feira, com transmissão pelo canal do Sesc Avenida Paulista.

A primeira peça online do diretor foi uma adaptação de "Terra em Trânsito", também protagonizada por Gugli, que ecoava uma série de questões contemporâneas --como o isolamento da diva de ópera, enclausurada em seu camarim.

Nesse novo monólogo desenfreado, o título é uma referência a Gala Dalí, mulher de Salvador Dalí. Thomas diz que é pelas traições repetidas de Gala, e por rir dessa deslealdade moralmente condenada, que a russa tem essa centralidade para a peça --quase como alguém que debocha de uma série de convenções falidas.

Já essa pontuação do nome, "G.A.L.A.", é para suscitar a ideia de um baile suntuoso, uma noite para a qual se veste com planejamento. Mas é um baile, claro, sobre escombros. "A peça, como outras, é autobiográfica, e é meu rompimento com Beckett", afirma o diretor. "Há 40 anos ele martela e esculpe seu nome no meu cérebro."

É um autor a que Gerald Thomas retornou na própria pandemia --e ele considera que ninguém é melhor que o irlandês para falar de reclusão, catástrofe e morte. Com uma série de personagens confinados e histórias inconclusas, é um dramaturgo que ecoa o isolamento que ainda não se encerrou por completo.

O rompimento com essa figura que representa a dissolução completa é acompanhado, por exemplo, por um pedido desesperado e crítico para encerrar a idolatria a "cacos desesperançosos da história", como a "Guernica" de Pablo Picasso.

Mas é um monólogo que retorna a uma espécie de compreensão das ruínas de Beckett. Ninguém se livrou dele, portanto. Nem de "Guernica", nem de quaisquer criações que ensaiam e dançam sobre esse fim do mundo. Essa crise da personagem é vestida por um figurino que homenageia o artista plástico Hélio Oiticica, conta Thomas.

"Ele conseguiu, como artista plástico, sair do discurso formal do que é e o que não é arte cinética e colocou ali ninhos para você entrar, andar pelo chão de pedra, experimentar texturas de coisas como os 'Parangolés'", afirma o diretor. "Como tudo que ele fez, as 'Cosmococas', os 'Metaesquemas', são comentários interessantes sobre a metalinguagem."

Gugli revela ao tirar esses vários "Parangolés", com os quais dança esse fim de mundo desesperado, uma série de imagens estampadas em camadas de roupas. A própria Gala Dalí aparece, assim como seios desenhados com dois traços de caneta --que aparecem como representação também pela impossibilidade da nudez na internet sem que os espetáculos saiam do ar.

O texto do dramaturgo, escrito durante a pandemia, também põe em perspectiva quais são as ruínas contemporâneas. A protagonista lembra um diálogo em que um rapaz afirma que as coisas nunca estiveram tão desesperadoras e sua reação.

"Está pior que as fogueiras da Inquisição? Pior que o Terceiro Reich? Jura? Pior que o crash da Bolsa e a fila da fome, a fila do pão, a fila da sopa de 1929?", pergunta ela à câmera. A filmagem estática com um único aparelho de "Terra em Trânsito" dá lugar aqui a seis câmeras simultâneas com cortes que serão feitos ao vivo em "G.A.L.A.".

Já o texto, segundo o diretor, também está despido de "brincadeiras internas", como ele mesmo denomina, com citações herméticas a artistas e trabalhos que apareciam em outras peças. "Não é que eu esteja mais maduro, mas eu estou mais triste", ele diz.

Thomas recentemente protagonizou notícias de que estaria vendendo obras de arte depois de ter sido despejado de seu apartamento em Nova York, onde vive. Apesar da restrição de trabalhos durante a pandemia, o diretor diz que, na verdade, ele pretendeu vender os quadros para evitar o despejo, mas que as pendências financeiras foram quitadas nas últimas semanas.

Ele também estreia, no próximo dia 3, a performance "The Apocalypse In a Bottle: Art as War", nos Estados Unidos. A produção plástica, aliás, fez Gerald Thomas entrar para o mercado de NFT, ou token não fungível, da sigla em inglês. Com esse certificado que assegura a autenticidade de uma obra digital, o dramaturgo passou a vender pinturas e desenhos --mas diz que não entende, ao certo, o apelo de se gastar dinheiro com essas peças virtuais. "Para quem foi educado em Londres", brinca ele, "NFT é o National Film Theatre".

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G.A.L.A.

Quando: 22/9, às 21h. Após transmissão ao vivo, peça ficará disponível por um ano

Onde: No canal do Sesc Avenida Paulista, youtube.com/sescavenidapaulista

Preço: Gratuito

Classificação: 16 anos

Elenco: Com Fabiana Gugli

Direção: Gerald Thomas


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