Galeria Raquel Arnaud faz salto no tempo com obras de artistas dos anos 1980
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma escultura sem título de 1989, a artista plástica Shirley Paes Leme usa galhos de árvore e arame para criar uma espécie de torre os pedaços de madeira estão empilhados de forma geométrica, no formato de uma labareda de fogo ascendente.
Já em um de seus trabalhos mais recentes, "Cidade", finalizado em 2015, a artista "pinta" uma tela ao soprar com fumaça. O processo resulta em jatos aéreos de tons cinza, aos quais a artista adicionou letras brancas, integrando a palavra à obra.
Um quarto de um século separa os dois trabalhos apesar de diferentes meios, ambos discutem a destruição do meio ambiente pelo uso de materiais orgânicos.
É para observar esse tipo de "salto" na obra de um artista que a curadoria toma como um movimento brusco, impetuoso, de mudança de perspectiva que a galeria Raquel Arnaud idealizou "Um Salto: Dos Anos 80 aos Dias de Hoje", em cartaz até 2 de agosto.
As artistas expostas Célia Euvaldo, Elizabeth Jobim, Ester Grinspum, Frida Baranek, Iole de Freitas, Maria-Carmen Perlingeiro, Geórgia Kyriakakis e Shirley Paes Leme pertencem à mesma geração. Nos anos 1980 elas começavam suas carreiras. Hoje, possuem prestígio nacional e internacional e continuam ativas, criando e inovando.
Segundo a curadora, Ana Carolina Ralston, a mostra nasceu do desejo de retratar a produção dessas pioneiras entre os dois momentos deste salto temporal, evidenciando as mudanças e constâncias nesse meio tempo.
Cada artista expõe ao menos um trabalho da década de 1980 e uma obra mais atual. Ralston destaca que o período, marcado pela redemocratização após 21 anos de ditadura militar, foi produtiva e criativamente efervescente.
"Foi um período marcado por uma vontade de liberdade, de ir ao encontro da cultura e de otimismo no Brasil", diz Ralston, em entrevista à reportagem. "E hoje em dia, [as artistas] não se mantiveram presas a uma caixinha, elas foram inovando. Podem ter mudado o material, a forma, mas continuam na mesma linha de pesquisa".
Outro ponto de convergência entre as artistas expostas é que todas, em algum ponto, fizeram pesquisas relacionadas ao desenho ou com o papel como meio. É o caso de Grinspum, que participava de uma visita guiada pela galeria. "Tem uma fragilidade, mas também uma potência", afirma, sobre o material. "Ele tem movimento, não é como uma tela ele apodrece, tem fungo, ele tem uma vida própria".
O segundo andar da galeria exibe "Da Curva, a Reta", mostra individual de Marina Weffort. Esta também traz uma mudança de perspectiva, mas ao contrastar duas séries distintas e, como afirma a artista, paradoxais.
A primeira, "Tecidos", traz tramas de poliéster, em tons bege, com aparência fluída. Mesmo presos à parede, se movem como se respirassem quando alguém circula pelo espaço expositivo.
A artista paulistana desfia com precisão cirúrgica, removendo linhas horizontais e verticais após um planejamento minucioso para decidir a lógica da estrutura. É um trabalho feito pela subtração os fios são retirados um a um, com pinça, agulha e tesoura, para formar padrões quase construtivistas. Depois que algo é feito, não dá para voltar atrás.
Segundo Weffort, esse "mistério" é uma das coisas que atraem ela ao trabalho. O processo, conta, vem lhe ensinando a lidar com questões próprias do ser humano "do que queremos controlar mas não conseguimos, do que planejamos mas ocorre diferente". "A obra nasce de uma certeza, de uma vontade de assertividade. Mas é como se isso a escapasse e ela se abrisse", afirma.
É nesse lastro que a segunda série, "Movediça", se destaca da primeira. Estas obras, ao contrário dos trabalhos em tecido, pertencem a um mundo rígido, como desenhos, feitos enquanto um concreto seca, uma camada sobre a outra. Para criá-las, Weffort usa um gesso acrílico transparente como tela, e deposita pó de grafite e pigmentos.
Os "riscos" na massa acinzentada são criados com trincha e pincel. A gestualidade dita o resultado final a obra demora de cinco a dez minutos para secar, e "não dá nem tempo de entender direito antes de ela já estar pronta", conta a artista.
"É como um desenho cego. Requer intuição, agilidade, não dá tempo para duvidar de si mesma. É o contrário dos meus outros trabalhos, que demoram várias horas". Para a artista, é importante ter esse tipo de oposto no ateliê. "Quando [trabalhar com o tecido] ficava cansativo, eu dava um tempo com essas obras, que ficam prontas na mesma hora", afirma.
Ambas as séries têm em comum, entretanto, uma paleta sóbria e utilitária, que varia pelo universo de cinzas, beges, cremes e brancos. A escolha se dá pelo tempo maior que um espectador precisa para "entender" uma obra de baixo contraste, afirma a artista. "É como se isso desse o tom te pede um momento de calma, te obriga a parar e olhar, a refletir. Leva [o espectador] a um estado diferente do clima da rua, da agitação que sempre estamos", diz.
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