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Exposição de Beatriz Milhazes resgata os seus trabalhos com arquitetura

Por Folha de São Paulo

14/11/2025 9h50 — em
Arte e Cultura



RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Como transformar a pintura em arquitetura? Este desafio vem sendo enfrentado constantemente por Beatriz Milhazes desde que, há quase 25 anos, um de seus trabalhos estampou a vitrine da loja de departamentos Selfridges de Manchester, no Reino Unido.

Feito com grandes recortes coloridos em vinil que remetiam ao universo de formas geométricas e arabescos de suas pinturas, aquela obra foi a primeira de uma série de outras de escala arquitetônica que Milhazes, uma das mais importantes artistas brasileiras em atividade, fez a partir dali no exterior. Só dois trabalhos do tipo foram executados no Brasil até agora.

Foi "um enorme, um gigante desafio pela escala", diz Milhazes, sobre seu trabalho na Selfridges, acrescentando que até aquele momento ela se via como uma artista "da bidimensão, que trabalha o plano e se depara com a tela em branco" na hora de pintar.

"O desafio era manter a minha linguagem, as questões que me interessam na abstração e, ao mesmo tempo, fazer um projeto que iria comunicar com uma audiência inesperada", afirma a artista. Ela conta que era preciso deixar espaços na vitrine livres de cor para os frequentadores não pensarem que a loja estava fechada e que teve de adaptar as tonalidades de seus quadros para as opções disponíveis em vinil.

Este e outros 16 projetos de Milhazes interligados com a arquitetura estão reunidos numa exposição na Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, em cartaz até 15 de março de 2026. Organizada pelo curador Lauro Cavalcanti, "Pinturas Nômades" é uma forma de o público ter ideia de como eram estes projetos, específicos dos lugares onde foram executados e que, justamente por isso, não podem ser reproduzidos.

Na mostra, o espectador vê as pinturas que serviram de estudo para as instalações nos prédios, fotos dos lugares com as obras montadas e a reprodução de alguns trabalhos no ambiente da Casa Roberto Marinho, a exemplo da instalação feita nas plataformas da estação de metrô Gloucester Road, em Londres.

Além disso, há as maquetes, realizadas com riqueza de detalhes pelo arquiteto e artista plástico Flávio Papi, capazes de transmitir a escala grandiosa de cada uma das instalações de Milhazes. Com todos estes elementos visuais, "Pinturas Nômades" é uma exposição de arquitetura que foge da fórmula fácil de mostras do tipo de trazer a público somente desenhos arquitetônicos e fotos dos projetos concluídos.

Cavalcanti, o curador, diz que sua busca era a de transmitir ao espectador a emoção da escala e da arquitetura, não montar uma mostra acadêmica. Talvez o exemplo mais claro desta proposta seja a reprodução, em forma de mural na exposição, da estampa que a artista criou em 2021 para uma cortina corta-fogo do palco da Ópera de Viena.

Milhazes afirma que, ao intervir em prédios públicos ou privados, ela leva a sua arte para uma audiência que não necessariamente espera isto e une o seu trabalho a questões sociais mais amplas, como no caso de um mural de cerâmica de 41 metros de extensão que realizou numa área externa de circulação de carros e ambulâncias do Hospital Presbiteriano de Nova York. Está exposta uma amostra das cerâmicas, feitas por uma equipe do México.

No lobby do mesmo hospital em Manhattan —um centro ambulatorial dedicado a quimioterapia e outros tratamentos que não envolvem internação—, há uma grande pintura sua, responsável por quebrar, com seu caleidoscópio cromático, o ar sério do ambiente. A artista se diz realizada ao se deparar com a reação das pessoas que se sentem ajudadas ao verem suas grandes telas num local de tratamento médico.

"Saio do universo do meu ateliê, das minhas questões, das minhas linguagens e vou encontrar o mundo externo. Não é somente sobre a minha obra. É um diálogo entre isso e o mundo. É muito motivador", afirma Milhazes, sobre trabalhar com a arquitetura.

Ela ressalta que materializar uma obra no espaço é algo complexo, porque há a negociação com diferentes equipes internacionais de arquitetos e outros profissionais a cada projeto, o que a tira do ambiente solitário do seu ateliê no Rio.

No Brasil, a intervenção arquitetônica mais conhecida da artista aconteceu nas janelas do prédio da Pina Estação, em São Paulo, um dos museus do complexo artístico da Pinacoteca do Estado. Em 2008, no contexto de sua mostra na instituição, ela adesivou os vidros do espaço expositivo, transformando a vista cinza do centro degradado da cidade e dos trilhos que passam por ali em algo lúdico e colorido.

Na Casa Roberto Marinho, um projeto semelhante foi repetido para a atual exposição. As janelas em arco do térreo, que dão para um jardim externo desenhado por Burle Marx, foram transformadas em vitrais a partir da aplicação de vinil translúcido em vários tons —assim, o público vê a transmutação de sua pintura para outro suporte.

Extensa, a mostra conta também com diversas pinturas da artista, uma escultura suspensa, uma sala só de serigrafias —que realiza desde meados da década de 1990— e outra com algumas obras que estiveram na Bienal de Veneza do ano passado, da qual Milhazes fez parte, ambiente onde está ainda uma tapeçaria.

No térreo, é possível ver uma raridade de seu trabalho —murais em tons de cinza, algo incomum para a pintora. "Se eu perco a cor, eu perco tudo", ela diz.

BEATRIZ MILHAZES - PINTURAS NÔMADES

- Quando Até 15 de março de 2026. De terça a domingo, das 12h às 18h

- Onde Casa Roberto Marinho - r. Cosme Velho, 1.105, Rio de Janeiro

- Preço R$ 10; grátis às quartas-feiras

- Link: https://casarobertomarinho.org.br/


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