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Em Cannes, Forest Whitaker recebe Palma honorária, mas parece coach em longa

Por Folha de São Paulo

17/05/2022 18h38 — em
Arte e Cultura



CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Um bom filme não se faz só de boas intenções, prega um dos mais óbvios adágios da cinefilia. Ainda assim, vez ou outra aparecem por ali diretores talvez desavisados, vai saber, como é o caso da dupla Christophe Castagne e Thomas Sametin.

Donos de um currículo ainda mirrado, eles apresentaram no Festival de Cannes o documentário "For the Sake of Peace", ou em prol da paz, dentro da programação principal do evento francês.

Antes de tudo, vamos ao principal mérito do filme. Não deixa de ser valoroso que diretores voltem suas câmeras para um país que não ocupa as principais atenções do mundo --no caso, a jovem nação do Sudão do Sul, que foi reconhecida como um país independente pela ONU há meros 11 anos.

Pois bem, o lugar, encravado nas franjas da África subsaariana experimenta pobreza esmagadora e os despojos de uma guerra civil que ocuparam quase toda a sua vida como Estado.

Um tanto apegados à ideia do mérito individual, Castagne e Sametin escolheram acompanhar a trajetória de duas pessoas que tentam mudar a situação das coisas naquele lugar.

Nandege é uma jovem local que estudou mediação de conflitos dentro do projeto de uma ONG americana e busca intermediar estremecimentos nos rincões do país.

E lá vai ela dialogar com senhores da guerra que se gabam de somar mais de 250 assassinatos por ano. Já Gatjang vive como árbitro de futebol num depauperado campo de refugiados próximo à capital, Juba. Eis aí posto em cena o enredo de cada um.

A moça tem de se bater com o machismo arraigado para ter sua voz ouvida entre lideranças de grupos tribais que se batem há décadas, ao que parece, e que saqueiam os esquálidos bois do rebanho uma da outra. Cada rês, diz o filme, é um signo de status e riqueza e é o que permite que, por exemplo, o homem de um bando possa comprar o dote de uma noiva.

No caso de Gatjang, fica evidente que o futebol é metáfora para a própria situação do jovem país, tateando em meio às regras de um jogo novo e tendo de pôr suas forças na linha da mesma forma que o árbitro precisa reforçar que a rivalidade entre os jogadores não pode transbordar o campo.

Daí percebemos que Nandege e Gatjang têm algo mais em comum. A ONG da qual a primeira faz parte é a mesma que administra o campo de refugiados onde vive o outro --idealizada por ninguém menos do que o ator americano Forest Whitaker, vencedor do Oscar por "O Último Rei da Escócia".

Lembrado ao longo do filme por suas benesses no Sudão do Sul, Whitaker aparece logo no começo falando com ares de coach e ensinando as pessoas de uma sala a inspirarem e expirarem com técnicas dignas de professor amador de meditação. O seu nome também pinta ali, na boca das pessoas retratadas, exaltado como o inequívoco benfeitor que ele de fato é.

Mas não ajuda em nada o filme o fato de que da boca de Nandege só saiam platitudes numa narração lamuriosa e arrastada que mais parece ter saído da "escola Petra Costa de documentário".

Ou que os diretores pesem a mão numa trilha sonora soturna que só reforça o que o espectador precise sentir. Aí nos perguntamos --isso aí é filme ou é um comercial dos Médicos sem Fronteiras?

Patrono do documentário, Whitaker ainda será homenageado por esta edição do festival com uma Palma de Ouro honorária, 34 anos depois de ter levado aqui o prêmio de melhor ator por sua atuação como o jazzista Charlie Parker em "Bird", de Clint Eastwood.

Não há dúvidas sobre o imenso talento dele como intérprete nem do seu mérito humanitário como filantropo num dos países mais miseráveis do planeta e que menos recebem atenção internacional. O complicado é só a confusão entre cinema e vídeo institucional na qual "For the Sake of Peace" frequentemente derrapa.


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