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'Eddington' brilha ao rever o faroeste a partir dos rituais da pandemia

Por Folha de São Paulo

13/11/2025 10h02 — em
Arte e Cultura



FOLHAPRESS - Após dividir seu fã-clube com "Beau Tem Medo", primeiro longa de Ari Aster a se afastar, ainda que não totalmente, das histórias de terror que o consagraram, o cineasta elegeu o faroeste para contar sua nova fábula. Na esteira de um consenso abaixo do esperado, "Eddington" chega ao Brasil com meses de atraso desde a primeira exibição, no Festival de Cannes, e de seu lançamento nos Estados Unidos.

Descrito pela crítica como um "western moderno" —espécie de atualização do gênero, consagrado pelas disputas do velho oeste, com desertos deslumbrantes, duelos entre peritos do gatilho e homens à beira do colapso—, o longa transporta a pandemia da Covid-19 para o fim de mundo, numa cidade-título tomada pela briga eleitoral entre Joe Cross, um xerife negacionista vivido por Joaquin Phoenix, e Ted Garcia, um prefeito neoliberal na pele de Pedro Pascal.

Não há exagero no rótulo atribuído à produção. Ao se apropriar de uma mitologia elementar para o cinema americano, Aster representa um universo incompatível com sequências dirigidas por John Ford e quadros dominados pelo olhar de Clint Eastwood. Ao esvaziar símbolos que um dia tiveram tanto significado, o diretor conduz um filme sem imagens, sem botar a corda no pescoço.

Afinal, este é um faroeste em que os bares estão vazios e as pessoas estão dentro de casa. Um faroeste estrelado por um xerife abestalhado —figura longe de ser qualquer novidade, mas que agora não usa máscaras, sejam reais ou figurativas—, e que demora para mostrar cenas violentas.

Quando acontecem, isso se dá entre várias pausas e quase sempre longe da câmera. A exceção é o momento em que o protagonista de Phoenix carrega uma metralhadora. Os disparos imprimem flashes de luz na tela e afetam a nitidez com que as ações são gravadas. Isso, é claro, além de atrapalhar o discurso ameaçador do ator.

Em primeiro lugar, as falhas entre as tradições desse gênero, os simbolismos por trás dos registros e a percepção do espectador denunciam ritos pandêmicos. Aster resgata os tempos recentes em que dois ou mais corpos não ocupavam o mesmo espaço —o político vivido por Pascal, por exemplo, insiste no distanciamento e é ridicularizado pelo xerife reacionário— e de comunicações aos trancos e barrancos.

Além disso, o cineasta brinca com a natureza das imagens ao levar as plataformas digitais para o deserto. Entre seitas religiosas e correntes políticas, diferentes narrativas se concentram nesse ambiente, forjadas pelos que resistem ao pandemônio. No processo, militantes gastam saliva ao justificar demandas e a população não se compromete com nada. Seus tuítes parecem mais fortes do que qualquer protesto.

São conflitos que se escondem em redes invisíveis e o diálogo surge em microdoses. Resta um conjunto de ícones falhos, e Aster brinca com um gênero não compatível com a atualidade. O resultado ironiza menos a queda de uma nação e mais de uma Hollywood que há muito deixou de ser política.

Por isso, ele condena os seus personagens a um mundo vazio. Não por acaso, o destino de Eddington é iluminar a escuridão de seu deserto com um grande e promissor data center. Financiado pelo prefeito, o projeto aparece desde a cena de abertura, quando um bêbado vaga em direção ao centro da cidade —ele sai de cena, mas o espectador é obrigado a observar o terreno onde haverá um centro de inteligência artificial.

Aster usa a sobriedade do mundo pandêmico —onde sintomas da Covid-19 se confundem com a solidão dos celulares— para denunciar uma indústria que vem proibindo a imaginação. Chega ao ponto em que um drone, sobrevoando o nada, é o mais próximo que temos para sonhar com um planeta além do nosso.

EDDINGTON

- Avaliação Muito bom

- Quando Em cartaz nos cinemas

- Classificação 18 anos

- Elenco Joacquin Phoenix, Pedro Pascal e Emma Stone

- Produção Estados Unidos, Reino Unido, Finlândia, 2025

- Direção Ari Aster


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