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Com Tilda Swinton e Venus Williams, calendário Pirelli 2026 imagina natureza sexy

Por Folha de São Paulo

14/11/2025 10h32 — em
Arte e Cultura



PRAGA, REPÚBLICA TCHECA (FOLHAPRESS) - "É mais do que uma mulher pelada na praia." O fotógrafo norueguês Sølve Sundsbø resume desse jeito sem rodeios a impressão que tem do famoso calendário Pirelli, ele que fotografou gente como as atrizes Isabella Rossellini e Tilda Swinton, a modelo tcheca Eva Herzigová e a tenista Venus Williams, entre outras, para a edição do ano que vem da folhinha da moda.

Quase todas elas estiveram em Praga nesta semana para a megafesta de lançamento do calendário, dando ares de Hollywood a uma gélida capital tcheca coberta pela neblina nestes dias de outono.

Sundsbø, uma instituição do imaginário fashionista, põe certa ênfase nessa ideia de praia. Ele escolheu Norfolk e Essex, no litoral britânico, como pano de fundo para suas visões de janeiro a dezembro de 2026 —uma decisão um tanto paradoxal, já que tudo foi fotografado em estúdios em Londres e Nova York com essas paisagens representadas em telas atrás de suas modelos ou reprocessadas com efeitos especiais, depuradas como conceito.

Era uma questão de controle, ele diz, já que dentro das quatro paredes estéreis do estúdio ele pode fazer as nuvens no céu se mexerem mil vezes mais rápido do que em tempo real, ou aumentar e diminuir a intensidade da luz, o reflexo na água e afins.

"Quis fazer uma espécie de colheita da natureza lá fora e trazer para dentro, onde consigo controlar tudo. Era como reduzir toda a natureza a algo tangível. Tem algo de freudiano nisso também, o desejo de estar em outro lugar", diz o fotógrafo. "É uma arte que trabalha com a realidade, uma resolução de problemas que começa como ideia intelectual, passa para um problema prático e termina como solução visual."

O vencedor de um Emmy, por uma série de retratos filmados para o New York Times, e nome por trás de campanhas das maiores grifes do planeta, entre elas Prada, Hermès, Cartier e Gucci, diz estar "usando a natureza para falar de emoções, instintos, da nossa relação com o tempo e o espaço".

Natureza, no caso, é o ponto central do trabalho, ancorado em representações da água, do vento, do fogo e da terra. É curioso que o fato de ele ter reconstruído tudo de forma artificial acaba se tornando um comentário indireto sobre o estado atual do meio ambiente num planeta corroído pelas mudanças climáticas.

"Essa ideia de reduzir a natureza aos elementos é voltar à maneira como sempre entendemos o mundo", diz Sundsbø. "Foi um processo mais instintivo do que intelectual, uma loucura. Mas essas são pessoas incríveis, que sabem projetar uma ideia num único fotograma, mesmo debaixo d'água ou rodeadas de ventiladores. Todas as fotografias, sabemos, são mentiras, são sempre a opinião de alguém."

Nesse conto de fadas rupestre e silvestre, agreste, Isabella Rossellini surge emoldurada por flores numa minifloresta, Tilda Swinton desponta num bosque criado contra o fundo infinito, a cantora pop FKA Twigs rola sobre dunas de areia e Eva Herzigová encarna uma sereia dentro de um aquário.

"É anatômico mas também digital o jeito de ele fotografar", diz Herzigová, sobre o fotógrafo. "Não podia controlar nada dentro da água, meu cabelo estava flutuando, a maquiagem derretendo. Foi uma grande lição de abandono para falar da natureza, que é um assunto quente do momento. É visceral, íntimo, ousado e futurista ao mesmo tempo."

Essa chuva de adjetivos da modelo tenta dimensionar a superprodução por trás da folhinha, com enormes telas de LED usadas na tentativa de materializar a visão de Sundsbø. "Foi como pisar em outro planeta, como um sonho", diz Venus Williams, sobre os bastidores do ensaio. "Os elementos gráficos do fogo são muito realistas, a forma que as chamas se mexem faz parecer que elas têm vida própria."

Gwendoline Christie, a atriz britânica de "Game of Thrones" e "Wandinha", também teve essa sensação surreal ao posar para Sundsbø. "O interesse agudo dele pela tecnologia permite outro jeito de expressar a arte. Ele usou esses elementos para mostrar mais a minha energia do que minha forma física. Saímos do mundo terreno dos sentidos para entrar num território que as palavras não podem explicar. É mais uma vibração, uma força, uma sensualidade, algo que a gente só sente na boca do estômago."

Foi, nas palavras da atriz, quase uma experiência religiosa. "No estúdio, na hora de fotografar, precisavam desligar todas as luzes para só acender os holofotes na hora do disparo, então a gente ouvia a respiração um do outro", ela conta. "É esse momento de estar presente, de trepidação, que transparece nas fotografias."

Para quem não sabe, o calendário da borracharia italiana apelidado por fashionistas como The Cal, é uma instituição no mundo da moda. O que começou na década de 1960 como a clássica folhinha de gostosas para animar o ambiente trevoso de oficinas mecânicas e vender os pneus da firma foi se transformando ao longo das décadas como um statement da moda do momento, imaginando e ditando tendências, além de uma reflexão sobre o que alguns críticos entendem como a política da beleza.

E nunca houve tanta política nisso. Se antes, como define Sundsbø com certo desdém, bastava uma mulher pelada na praia, agora as lentes já fotografaram também homens, mulheres mais velhas, personalidades em geral, de todas as cores e tamanhos, numa expansão mais pluralista do conceito de beleza e sexualidade.

Os maiores nomes da fotografia de moda, Richard Avedon, Helmut Newton, Annie Leibovitz, Mario Testino, Patrick Demarchelier, e mesmo o estilista Karl Lagerfeld, entre outros, já fotografaram top models como Cindy Crawford, Gisele Bündchen, Kate Moss, Naomi Campbell, mas também astros da música como Bono, Cher, Marisa Monte, Patti Smith, e Rosalía, além do hoje encarcerado Sean "Diddy" Combs, e do cinema, como Kate Winslet, Helen Mirren, John Malkovich, Julianne Moore, Lupita Nyong'o, Nicole Kidman, Penélope Cruz e Sonia Braga.

"É uma pedra angular lendária da cultura visual. A cada ano vemos uma expressão diferente do que é a beleza, um reflexo dos tempos", diz Gwendoline Christie, sobre o calendário. "Neste momento, estamos vendo cada vez mais uma aceitação de outros tipos de beleza, uma beleza mais plural. E esses fotógrafos nos mostram que nem todos sabem enxergar a beleza e que nem todos sabem que todos merecem a beleza."

O jornalista viajou a convite da Pirelli


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