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Governo Temer: previsão é de caminho turbulento

Por Agência O Globo

28/08/2016 3h52 — em
Brasil



SÃO PAULO — Se aprovado o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, no Senado, o Brasil terá pela terceira vez, desde a redemocratização, um vice-presidente no poder, e o segundo que assumirá diante do afastamento do mandatário. Se lá atrás Itamar Franco e José Sarney chegaram ao Planalto após uma sucessão de crises políticas e econômicas, Michel Temer segue uma trilha em condições mais conturbadas, segundo relatos de ex-colaboradores desses governos anteriores.

Tanto Sarney, que assumiu o país após a morte de Tancredo Neves, como Itamar, no lugar do afastado Fernando Collor de Melo, tiveram dificuldades nos primeiros meses após a posse, avalia o embaixador Rubens Ricupero, que foi assessor especial de Sarney e ministro da Fazenda de Itamar.

No caso de Sarney, explica ele, as sucessivas trocas de planos econômicos adotados para estabilizar a hiperinflação e a falta de apoio dentro do próprio PMDB o levaram a sofrer duras críticas no fim do mandato:

— Sarney sempre foi olhado com muita má vontade pelo partido. Primeiro, porque o PMDB de hoje não tem nada a ver com o daquela época, que tinha combatentes históricos como Ulysses (Guimarães), Pedro Simon e Mário Covas. Eles hoje se mexeriam na cova se soubessem que o PMDB está nas mãos de Sarney e Renan (Calheiros, presidente do Senado) — diz ele.

Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda de Sarney e autor do Plano Verão, também destaca a falta de apoio de Temer.

— Os dois (Temer e Sarney) têm em comum o baixo capital político, e isso pode interferir na capacidade de Temer de articular as medidas. Isso pode forçar, muitas vezes, ao recuo na revisão dos planos. Não será surpresa se, nos próximos meses, presenciarmos embates entre as áreas econômica e política.

Como interino, Temer já acumula recuos e rusgas com aliados. Destaque para a volta do Ministério da Cultura, que se tornara secretaria, e a decisão de reajustar os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). PSDB e PT são contra.

Mudanças constantes, avalia Carlos Thadeu Gomes, ex-diretor do Banco Central na era Sarney, fazem um presidente perder a governabilidade:

— É importante que Temer aprenda que trocar (de equipe e de ideia) coloca mais lenha na fogueira. Ele tem pouco tempo. Tem que insistir no que é certo e mostrar estabilidade, como fez Itamar — afirma.

Itamar Franco assumiu o país com uma inflação de mais de 40% ao mês e foi o presidente que mais trocou de ministro da Fazenda: foram seis no total. O sucesso de seu governo, pontuam os especialistas, foi a indicação de Fernando Henrique Cardoso na pasta e sua aposta no Plano Real.

— Fernando Henrique foi, sobretudo, valioso no Congresso. O grande êxito do Plano Real se deve às medidas necessárias que ele conseguiu costurar naquela Casa. E essa é a grande incógnita sobre Temer. Ele tem uma equipe econômica de primeiríssima ordem, mas quem vai fazer esse papel no Congresso? O Henrique Meirelles (atual ministro da Fazenda) não parece ser o cara — questiona Ricupero.

Coragem foi a palavra usada por Henrique Hargreaves, chefe da Casa Civil de Itamar Franco, para resolver suas maiores questões:

— Itamar reuniu todo mundo, antes de mais nada, e falou: “Quero que me garantam governabilidade. Se não vão me garantir, até logo e convoquem eleição”. Nem todo mundo tem essa disposição — lembra Hargreaves.

Amigo e ex-ministro da Educação de Itamar, Murílio Hingel lembra bem desse momento e destaca que o ex-presidente se preocupou em organizar um governo de “concertação”, que não tivesse cara de partido, mas do Brasil.

— Ele colocou na mesa desde logo que a prioridade era buscar forma de debelar a inflação — recorda-se Hingel.

É esse tipo de conversa, indica Djalma Bastos de Morais, ministro das Comunicações de Itamar, que o presidente interino deverá promover com mais frequência, caso assuma o Planalto:

— Não tínhamos uma crise econômica e política como hoje, mas Itamar sempre promoveu diálogo entre as forças, haja visto que havia em seu Ministério pessoas do PT.

Estabelecida a paz no Planalto, se o impeachment de Dilma for confirmado nesta semana, Temer deve focar toda a energia na reforma da Previdência, concordam os ex-colaboradores. Com idosos vivendo mais e o número de jovens diminuindo, o rombo hoje é de R$ 149,2 bi (2,3% do PIB): os gastos saltaram de 0,3% do PIB em 1997 para projetados 2,7% em 2017. Novas propostas para o plano de aposentadoria devem ser enviadas ao Congresso até outubro.

Para José Milton Dallari, um dos criadores do Plano Real e conhecido como “xerife dos preços”, as reformas tributária e trabalhista são necessárias. Segundo Dallari, “sem dúvida vivemos um problema político mais grave”, mas há como superar:

— Essa equipe econômica é preparada. Não acho que vamos superar tudo em menos de três anos, mas haverá estabilidade.

Maílson também vê urgência na reforma política, ainda que, para ele, o tema seja complexo:

— Se fosse Temer, deixaria essa reforma para um governo eleito pelo voto. Mas ele precisa preparar a cama para o próximo presidente. Em dois anos, acho que consegue aprovar o teto e a reforma da Previdência — diz ele, que enxerga melhoras nos setores como construção civil e comércio.

Conseguindo aprovar medidas necessárias, conclui Hargreaves, “o investidor volta, e a economia cresce”:

— Ele está com uma bomba na mão e vai ter que se virar.


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