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Lei da Liberdade Econômica cria brecha para aprovar curso superior sem análise do MEC

Por Folha de São Paulo

01/12/2020 10h04 — em
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Criada para tentar desburocratizar o ambiente de negócios, a chamada Lei da Liberdade Econômica do governo Jair Bolsonaro também provocou impactos no setor educacional. Ela abriu uma brecha para autorização de cursos privados de ensino superior sem análise final do MEC (Ministério da Educação).

A Lei da Liberdade Econômica, sancionada em setembro de 2019 a partir medida provisória do governo, estipulou aprovações tácitas para autorizações de funcionamentos de negócios caso o poder público atrase processos.

Após a regulamentação da lei, o MEC publicou a portaria 279, em setembro deste ano, para dispor sobre prazos para aprovação e renovação de cursos e de instituições de ensino superior.

Essa legislação acabou por criar uma controvérsia no sistema de regulação do setor, que envolve a brecha para aprovações automáticas, a morosidade do MEC e o entendimento da educação como mercadoria.

Com base nessa regra, a PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) lançou no mês passado um curso a distância de direito.

O processo de regulação do curso corre desde 2009 no MEC, em uma espera bem superior a 540 dias, prazo estipulado pela portaria para aprovação tácita de pedidos como esse.

Seria o primeiro curso aprovado de direito na modalidade a distância no país. Após o lançamento, no entanto, a pasta reagiu. Soltou uma nota técnica com entendimento diferente sobre os prazos e, em 16 outubro, suspendeu o vestibular da instituição.

Integrantes do ensino superior particular veem incoerência entre a legislação e a atitude do MEC. As instituições reclamam que o MEC demora de forma demasiada na análise dos pedidos de autorização e renovação, com trâmites que superam três anos.

Esse quadro já ocorria em governos passados, mas a demora se intensificou sob Bolsonaro. Tanto por causa de mudanças constantes de equipe quanto de falta de pessoal para a análise.

O Brasil tem um complexo sistema de regulação de instituições e cursos, com aprovações e renovações vinculadas a processos de avaliação de qualidade.

O setor privado demanda a desburocratização no processo e também pede por autorregulação, o que tem sido abraçado pelas lideranças políticas do governo. O MEC conversa com empresários desde o ano passado para construir um modelo.

"Desde a publicação da Lei da Liberdade Econômica, passamos a vislumbrar um cenário também dentro da regulação do ensino superior, já que o objetivo da lei é incentivar a livre iniciativa e garantir autonomia para empreender. Foi o sinal que a lei deu", diz Daniel Cavalcante, sócio da Covac Sociedade de Advogados e especialista em direito educacional.

O escritório Covac tem forte atuação na defesa de instituições de ensino superior privado.

Cavalcante afirma estranhar a atitude do MEC em suspender o curso da PUC Minas e a nota técnica com novo entendimento sobre prazos. "A legislação fala em autorização tácita, mas depois precisa de 'autorização tácita'."

Até entre a equipe técnica do MEC, segundo relatos feitos à reportagem, a adequação à Lei da Liberdade Econômica fora vista com desconfiança -- sobretudo por igualar a educação a qualquer outro negócio.

Questionado, o MEC preferiu não responder.

Na nota técnica lançada após o caso da PUC Minas, a pasta afirmou ter cerca de 25 mil processos na Secretaria de Regulação do Ensino Superior.

O MEC diz que, apesar de "diminuto corpo técnico capaz de analisar os diversos tipos de processos existentes", trabalha para reduzir os prazos "sem deixar de observar o padrão de qualidade do ensino".

O professor Wilson Mesquita, da UFABC (Universidade Federal do ABC), vê riscos de esvaziamento do sistema de regulação do ensino superior, com consequente impacto na busca pela qualidade.

"Mesmo com problemas e com a força dos grupos educacionais tem muita gente séria no MEC preocupada com a regulação e com a qualidade. Mas o MEC é titubeante, soltaram nota e eles mesmo voltam atrás", diz.

A portaria 279 diz que os prazos fixados terão "início de contagem a partir da data de apresentação de todos os elementos necessários à instrução do respectivo processo de requerimento do ato de liberação".

Já a nota técnica da pasta afirma que só poderiam se enquadrar nas novas regras de aprovação automática processos protocolados após setembro, como preconiza a regulamentação da Lei da Liberdade Econômica.

De acordo com cada tipo de processo, os prazos de aprovação automática variam entre 365 (aumento de vagas) e 600 dias (reconhecimento de curso presencial e a distância).

Para Mesquita, é preocupante encarar o sistema universitária sob a mesma lógica do mercado geral.

"Como o MEC não tem política de expansão de ensino superior e ainda é moroso, surge uma coisa dessas e parece que estão querendo 'passar a boiada' também na educação", diz ele, em referência à fala do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) sobre seus planos de aproveitar a pandemia para mudar regras ambientais.

O setor privado concentra 76% das matrículas de ensino superior. O Brasil tem 2.608 instituições -- 2.306 (88%) são privadas. De um total de 40.427 cursos, 73% estão em instituições particulares.

Só 94 cursos particulares registraram nota máxima no Enade 2019, a prova federal realizada por estudantes formandos. O montante representa 1% das 6.360 graduações avaliadas nas instituições. Nas federais, o índice foi 24% do total.

A PUC Minas informou em nota que a "referida portaria contém a presunção de que o período de 540 dias é suficiente para a tramitação normal de um processo de autorização".

"O processo, em termos de sua avaliação por parte das autoridades reguladoras, percorreu todas as suas fases, obtendo muito boa aprovação", diz a instituição.

"No caso do referido processo de autorização do curso de direito EAD [educação a distância] da PUC Minas são mais de 3.650 dias, ou seja, dez anos de espera, significando efetivo prejuízo à universidade."

A Abmes (Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior), que representa o setor privado, afirma "defender a liberdade econômica e prazos razoáveis para tramitação de processos no MEC, de forma a garantir a segurança jurídica e os investimentos feitos pelas mantenedoras".

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