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Igreja abandonada vira ocupação de sem-teto no centro de São Paulo

Por Folha de São Paulo

27/10/2021 16h37 — em
Variedades



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Deitada no sofá em frente a uma das amplas janelas do imóvel onde funcionava uma igreja de imigrantes nigerianos, no centro de São Paulo, Cibele Ribeiro da Silva, 31, olha os três filhos sentados no chão em frente à televisão. Um deles é Adrian, 10, portador de paralisia cerebral.

Grávida do sexto filho, Cibele é uma das moradoras da ocupação aberta há cerca de um mês em imóvel fechado ao menos desde 2018, quando os inquilinos deixaram de pagar aluguel. O endereço fica em frente à praça Princesa Isabel, atualmente, o retrato da crise de moradia na capital paulista, tomada por barracas de sem-teto.

O imóvel de dois andares tem dívidas de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), de água e luz, e também é alvo de disputa na Justiça entre herdeiros.

O espaço interno está sendo repartido entre as famílias com uso de divisórias de madeira e paredes de tijolos. A maioria é imigrantes, idosos e mães solteiras. Cada um paga cerca de R$ 150 para morar lá, abaixo da média de R$ 300 cobrada em outras ocupações no centro.

A líder da ocupação batizada de "Unidos para Vencer" é Janaína Xavier, 41, ex-usuária de drogas que se tornou referência de assistência à moradia para quem vive na região da cracolândia. "Todo dia recebo gente desesperada porque não tem onde morar, por isso, queria organizar uma ocupação há tempos", diz.

Na semana passada, após ação de despejo que deixou 30 pessoas desabrigadas na cracolândia, foi ela quem ajudou a abrigar a família de Josimar Cruz Moraes. Ele, a mulher e os quatro filhos conseguiram uma vaga em uma ocupação na avenida São João. "Ela, agora, é como uma mãe para mim", diz Moraes.

Nesta quarta-feira (27), a prefeitura voltou a desocupar imóveis na região da cracolândia sob a alegação de representar risco aos ocupantes.

Uma das primeiras moradoras de ocupação foi Cibele. Vítima de violência doméstica, ela vive com a companheira Talita que a ajuda com as crianças e na reciclagem, único meio de sustento da família.

Elas saíram da outra ocupação onde viviam, na avenida São João, porque não conseguiam pagar o valor cobrado todo mês, e também pela falta de segurança. "Roubaram a cadeira de rodas do Adrian na ocupação", diz ela, que passou a usar um carrinho de supermercado para se locomover com o filho.

Vítima de violência doméstica, ela ainda sofre com os ataques do ex-marido, que tenta lhe tirar a guarda das crianças. "Ele vem aqui a noite e começa a gritar, mas sei que está interessado somente no benefício que meu filho recebe", diz. Ela atribui a deficiência do filho aos socos e pontapés que sofreu do ex-marido durante a gravidez.

No andar de cima, vive a colombiana Rosa Gonzalez, 67. Ela tem artrose nos joelhos e problema no quadril após sofrer uma queda. Devido à locomoção limitada, ela evita sair da ocupação para não ter que subir os dois lances de escada. Rosa vive no Brasil há seis anos com a neta e o sobrinho, Jaime Gonzalez, 42.

A família também foi atraída pelo baixo valor cobrado na nova ocupação. "Com o dinheiro que pagávamos na outra ocupação, conseguimos comprar tijolos, cimento e areia", diz o sobrinho enquanto ergue uma parede de alvenaria no meio do salão onde antes funcionava a igreja.

Uma vez instalado, Gonzalez espera a mulher vir com o filhos de Bogotá, onde morava e não quer voltar de jeito nenhum. "Aqui se consegue dinheiro até catando lixo na rua, lá é preciso brigar com alguém para pegar algo do chão", diz ele, que faz bicos como mecânico na Mooca, bairro na zona leste de São Paulo.

Na ocupação, também mora o cozinheiro André Luiz Soares, 46, que vivia desde maio debaixo de uma lona na praça Princesa Isabel. Ele conta que perdeu o emprego em um restaurante na pandemia, além dos avós, vítimas de Covid-19, com quem dividia o aluguel da casa da família em Santo André, no ABC paulista. A mãe morreu logo depois dos avós também vítima de Covid-19.

"Eu perdi tudo, só não perdi a força de lutar", diz ele, enquanto ajuda os vizinhos de ocupação a erguer as divisórias de madeira transformadas em casa.


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