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Vodu, uma instituição do Haiti

Por Agência O Globo

03/09/2017 18h09 — em
Mundo



A cena pode parecer macabra para muita gente, mas trata-se de uma expressão cultural haitiana que resiste a qualquer crise e tem um papel essencial na manutenção da identidade do país. Numa sala de uma favela de Porto Príncipe, o chefe permanece sentado no chão, boné na cabeça, com cinco adultos e duas crianças em volta. Atrás dele, numa cama grande, uma senhora alta e obesa fica encostada num travesseiro, observando. Na frente, farinha em pó formam desenhos (chamados de veves) incompreensíveis para leigos, mas que ajudam a invocar espíritos (os loas). Duas xícaras de café e quatro garrafas, duas delas de Sprite, ficam em torno dos veves, e em pouco tempo servem de bebida para alguns dos presentes.

Naquele ambiente, fotos não são permitidas. Era uma cerimônia encomendada, havia pessoas que não queriam aparecer em imagens, e tampouco o vodu haitiano se preocupa com publicidade.

O vodu é uma das duas religiões oficiais do país (a outra é o catolicismo) e é praticado por cerca de 2% da população — acima dele no quesito fé estão os 55% de católicos e os 28% de protestantes. Diferentemente do que se imagina, no Haiti não há nada de bonecos espetados com alfinetes, uma invenção europeia que hoje é popular em filmes de terror ou em brincadeiras de criança. Na verdade, a prática tem uma semelhança grande com o candomblé e a umbanda, devido a uma mesma matriz africana que, trazida para as Américas, foi misturada com crenças locais. São feitas até mesmo relações com santos católicos, originadas de um tempo em que os escravos precisavam esconder suas preferências religiosas dos senhores brancos.

Também como no Brasil, o vodu haitiano é visto com mistério e até receio por parte da população, graças a eventuais usos de imagens de demônios, caveiras e outros símbolos macabros. Mambo Paulòne, uma sacerdotisa de uma favela do bairro de Pétion-Ville, o mais rico de Porto Príncipe, explica:

— Na minha casa, o vodu é um misto de catolicismo com religião africana — diz ela, apontando para uma imagem semelhante a São Jorge, o loa Ogou (no Brasil, Ogum). — Cada elemento da terra é um deus, e são os deuses que nos dão força para caminhar.

BOAS ENERGIAS NA CONTA DE OGOU

Mambo é como se chama a chefe mulher do voodoo, enquanto houngan é o termo para o chefe homem. Os templos são denominados ounfò, e o de Paulòne foi batizado de Machecha (algo como “olhar as coisas boas”). Lá, há outras imagens semelhantes a santos católicos, mas com um significado distinto para o vodu.

Paulòne é uma senhora negra, simpática, mas que não sorri. Em poucos minutos, convida, repórter e fotógrafo, a entrar numa sala reservada, onde diz poder mostrar o loa. Mas pede uma oferta em dinheiro para a revelação — definitivamente mais simples do que matar bodes ou galinhas vivas, ainda assim recusada.

O vodu é praticado em todo o país, de formas distintas. O ato de incorporar um loa pode ser facilmente avistado em pequenos barracos de Porto Príncipe (quase sempre em troca das tais oferendas). Ao norte da capital são comuns banhos de cachoeira ou de rio, numa espécie de purificação, em que homens e mulheres se jogam na água.

A religião é uma das mais importantes manifestações da cultura local. Em 1791, foi uma cerimônia vodu que deu início à rebelião de escravos que levou à Revolução Haitiana — o processo foi concluído em 1804, fazendo do Haiti a primeira nação independente da América Latina. Hoje, a crença está presente em trabalho de artistas e é alvo de interesse turístico.

— Muitos brancos vêm aqui para se energizar, deixar Ogou entrar em você. Eu garanto: se você aprender o vodu haitiano, sairá daqui mais forte — explica mambo Paulòne.


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