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Portugal vive crise na esquerda por orçamento e pode ter eleições antecipadas

Por Folha de São Paulo

26/10/2021 20h05 — em
Mundo



LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Sem consenso entre os partidos de esquerda para garantir a aprovação do orçamento de Estado para 2022, Portugal pode enfrentar a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas para o início do próximo ano.

A votação deve ser realizada na tarde desta quarta-feira (27), e o Executivo comandado pelo socialista António Costa corre contra o tempo para tentar um acordo de última hora.

Embora o governo tenha feito concessões a seus antigos parceiros de coalizão à esquerda, o PCP (Partido Comunista Português) e o Bloco de Esquerda já anunciaram que votarão contra o orçamento. Entre as reivindicações apresentadas estão um aumento maior do salário mínimo nacional e alterações na legislação trabalhista.

Sem apoios também à direita, a proposta orçamentária de Costa parece se encaminhar para uma derrota na Assembleia da República. O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, deixou claro que irá determinar a dissolução do Parlamento e a realização de novas eleições legislativas se o governo não conseguir aprovar o orçamento.

Ainda que tenha afirmado que mantém a confiança "até o último segundo", o líder português foi enfático no alerta: "Ou há [aprovação do] orçamento ou avanço para o processo de dissolução da Assembleia da República."

Em um sistema parlamentarista como o de Portugal, a convocação de novas eleições para o Legislativo é um recurso utilizado para resolver impasses políticos que possam travar o funcionamento do país. A antecipação do pleito, no entanto, não é obrigatória. A decisão fica nas mãos do chefe de Estado.

O premiê António Costa já avisou que não renunciará ao cargo em caso de reprovação do orçamento. Disse ainda que, se houver eleições antecipadas, será ele o candidato socialista.

Para dissolver o Parlamento, o presidente precisa passar por um longo trâmite de formalidades, incluindo conversas com os partidos políticos com representação no Parlamento e a convocação do Conselho de Estado (órgão consultivo que reúne ex-presidentes, chefes do Legislativo e do Judiciário, lideranças regionais e representantes dos cidadãos).

Assim, seguido todo o rito e respeitados os prazos estabelecidos na Constituição, os portugueses não devem ir às urnas antes de 8 de janeiro.

Na avaliação de Paula Espírito Santo, professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, as pesquisas eleitorais e o ambiente político recente ainda não permitem visualizar se novas eleições conseguiriam recompor o Parlamento de modo a desfazer o impasse político.

"A julgar pelo resultado das eleições autárquicas [municipais, em setembro], eu avalio que nenhum partido, exceto eventualmente os menores, como o Chega e a Iniciativa Liberal, poderiam crescer. No resto, há dúvidas de que poderiam crescer ou, no caso dos socialistas e do Partido Social-Democrata, aumentar e chegar a uma maioria", diz.

Mesmo sem ter conseguido eleger nenhum prefeito, o partido de direita radical Chega demonstrou sua capilaridade, elegendo vereadores e deputados municipais.

A eventual reprovação do orçamento para 2022 representaria o ponto final no entendimento à esquerda que possibilitou a ascensão de António Costa ao poder, em novembro de 2015. Na ocasião, os partidos de esquerda --tradicionalmente muito divididos em Portugal-- chegaram a um entendimento pós-eleitoral que permitiu que os socialistas, que tinham ficado em segundo lugar nas eleições legislativas, indicassem o primeiro-ministro.

Devido à aparente fragilidade, o arranjo político recebeu o apelido de "geringonça". Para a surpresa de muitos analistas e de parte dos políticos portugueses, a coalizão à esquerda sobreviveu aos primeiros quatro anos de legislatura.

Tendo sido o partido mais votado nas eleições de 2019, mas sem maioria absoluta --com 108 deputados, entre os 230 no Parlamento--, os socialistas optaram por não renovar o compromisso escrito que sustentava a geringonça e passar a negociar individualmente as aprovações na Assembleia. Nos últimos anos, porém, esbarraram com cada vez mais frequência na resistência dos antigos aliados para a aprovação das contas.

"Podemos considerar que este orçamento é até muito inclusivo à esquerda, porque havia muito investimento para o Serviço Nacional de Saúde, havia compromisso de um aumento do salário mínimo, uma revisão dos escalões do imposto de renda para favorecer rendimentos mais baixos", analisa Espírito Santo. "Havia um conjunto de iniciativas de uma política social até mais próximas do PCP e do Bloco de Esquerda."

Em sua avaliação, porém, questões como o desejo dos partidos de esquerda em se diferenciarem com mais clareza dos socialistas podem ter contribuído para o indicativo de rejeição do orçamento.

"É claro que, de acordo com os argumentos dos partidos, a razão é puramente orçamentária. Mas há razões políticas também, que têm a ver sobretudo com a afirmação político-partidária de querer projetar esses partidos de forma mais independente e autônoma do PS", diz a cientista política.

Embora ainda seja a legenda com mais câmaras municipais (equivalentes às prefeituras), o Partido Socialista perdeu o controle de cidades importantes. A derrota mais significativa se deu na capital, Lisboa, que passou para as mãos do PSD (Partido Social-Democrata), maior partido da oposição.

Os sociais-democratas também passaram a controlar outras cidades importantes, como Funchal, capital da Madeira.

O PSD, no entanto, mal teve tempo de comemorar os resultados. Atualmente, o partido passa por uma disputa pela liderança. O atual líder, Rui Rio, foi desafiado pelo eurodeputado Paulo Rangel. A eleição dentro da sigla está marcada para 4 de dezembro.

Outro partido de direita, o CDS-PP, também vive seus próprios conflitos internos pela liderança, o que embaralha ainda mais as previsões do resultado das possíveis legislativas antecipadas.


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