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Navalni, opositor de Putin, é transferido para hospital após 20 dias em greve de fome

Por Folha de São Paulo

19/04/2021 11h04 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após 20 dias em uma greve de fome que gerou uma nova onda de críticas e advertências internacionais à Rússia, Alexei Navalni, opositor do presidente Vladimir Putin, foi transferido para uma unidade de prisão hospitalar nesta segunda-feira (19).

Segundo o serviço penitenciário russo, a condição de saúde de Navalni, 44, é considerada "satisfatória" —embora não estejam claros os critérios dessa avaliação— e o opositor vinha recebendo, de forma consentida, uma "terapia de vitaminas".

O opositor anunciou o início de uma greve de fome em 31 de março, depois de denunciar que os funcionários da colônia penal onde ele está preso, a 100 km de Moscou, haviam negado acesso a tratamento médico adequado e adotado práticas que ele comparou à tortura.

Um dos advogados de Navalni, Alexei Lipster, confirmou a transferência à agência de notícias Reuters. "Sim, ele está aqui. Eles não estão se recusando a me deixar encontrá-lo, mas ainda não consegui entrar. Estou esperando."

A aparente concessão das autoridades russas não desperta otimismo entre os aliados de Navalni. "Acho que não há esperança de recebermos boas notícias sobre sua saúde hoje. Acho que seu estado está realmente muito perto de crítico, perto de ser muito grave. Vinte dias em greve de fome —isso é muito", disse Liubov Sobol, em entrevista a uma emissora de rádio.

Para Ivan Zhdanov, chefe da Fundação Anticorrupção criada pelo opositor de Putin, a transferência "só pode ser entendida como um agravamento da condição de Navalni, que piorou de tal forma que até o torturador o admite".

No último sábado (17), médicos que acompanham Navalni a distância disseram que ele poderia sofrer uma parada cardíaca a qualquer momento, devido à falta de nutrientes em seu corpo.

Os alertas mantiveram acesos os sinais amarelos da comunidade internacional. O presidente americano, Joe Biden, classificou a prisão do ativista como totalmente injusta. Depois, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, disse em entrevista à CNN que "haverá consequências se Navalni morrer" e Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, ressaltou que as autoridades russas são responsáveis pela saúde do opositor.

A União Europeia também se posicionou. Em um comunicado publicado neste domingo (18), Josep Borrell, chefe de diplomacia do bloco, fez um apelo para que as autoridades russas concedam a Navalni "acesso imediato a profissionais médicos de sua confiança" e voltou a exigir "sua libertação imediata e incondicional".

"O caso Navalni não é um incidente isolado, mas confirma um padrão negativo de um espaço cada vez menor para a oposição, para a sociedade civil e para as vozes independentes na Federação Russa", diz o texto.

Nesta segunda, a situação do opositor de Putin estava na pauta da discussão dos chanceleres da UE. Antes da reunião, Borrell mais uma vez afirmou que a Rússia é responsável pela saúde de Navalni, enquanto outros membros do grupo também se manifestaram.

"Aja agora, ou o sangue de Navalni estará para sempre em suas mãos", disse Manfred Weber, que lidera o maior agrupamento do Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, considerou bem-vinda a transferência do ativista, mas disse que seu país acompanhará "de muito perto" os próximos acontecimentos.

O Kremlin rejeitou publicamente as novas investidas dos EUA e da UE, sob o argumento de que o caso Navalni é um assunto intero, e deu um recado às milhares de pessoas que planejam para esta semana o que prometem ser os maiores protestos da história da Rússia moderna: quaisquer manifestações não autorizadas contra Putin e a favor de Navalni serão consideradas ilegais.

Pouco antes do anúncio da transferência do opositor, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ainda que não tinha nenhuma informação sobre seu estado de saúde e, mais uma vez, isentou Putin de qualquer responsabilidade, alegando que o presidente não poderia tomar nenhuma medida para monitorar a saúde dos prisioneiros russos.

Um site criado pela oposição há algumas semanas para registrar os cidadãos que querem se manifestar contabilizava cerca de 460 mil pessoas no domingo. Os atos estão previstos para a próxima quarta-feira (21), mesmo dia em que Putin vai discursar diante das duas câmaras do Parlamento sobre seus objetivos de desenvolvimento da Rússia e sobre as eleições legislativas do segundo semestre.

Blogueiro e advogado, Navalni surgiu na cena pública nos protestos contra Putin em 2012. No ano seguinte, candidatou-se a prefeito de Moscou e conquistou 27% dos votos. Mas foi em 2017 que ele apareceu para o mundo, ao comandar via internet a convocação de uma jornada de protestos que uniu milhares nas ruas da Rússia. Devido a acusações judiciais, foi barrado de concorrer contra Putin em 2018.

Passou então a uma outra tática: fomentar qualquer candidatura em nível regional contrária ao Rússia Unida, o partido governista. Ele logrou sucessos simbólicos nos pleitos locais de 2019 e 2020, e sua volta à Rússia era vista como uma preparação para o embate das eleições parlamentares de setembro. Agora, com ele preso, há a expectativa de que sua esposa, Iulia Navalnaia, ganhe destaque na oposição a Putin.

Navalni foi envenenado em agosto de 2020 e acusou diretamente Putin pela tentativa de assassinato. Ele foi tratado em Berlim, onde os médicos afirmaram ter encontrado em seu corpo traços de Novitchok, famoso veneno utilizado pelos serviços secretos russos.

Depois, Navalni divulgou a gravação de um trote que deu em um dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB) apontados como autores do ataque —nele, o espião acredita falar com um superior e admite ter colocado veneno na cueca do ativista no quarto de um hotel. O Kremlin nega qualquer envolvimento, e Putin brincou que, se a Rússia quisesse matar Navalni, o teria feito.

O opositor foi preso em janeiro, ao voltar à Rússia depois de receber tratamento na Alemanha contra o envenenamento. O ativista é acusado formalmente de violar os termos de sua liberdade condicional ao sair do país, ainda que a saída tenha ocorrido sob uma justificativa médica —ele estava em coma.

Navalni teve uma sentença de prisão por fraude comutada em 2014, em uma ação que classifica como perseguição judicial. Embora nominalmente independente, o Judiciário russo é alinhado ao Kremlin.

A Justiça russa confirmou no mês passado a sentença do ativista anticorrupção. No total, ele foi condenado a três anos e meio de prisão, dos quais já cumpriu dez meses em regime domiciliar.

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