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Madri entra em choque com governo central por estratégia contra novo pico de Covid

Por Folha de São Paulo

25/09/2020 15h34 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Madri vive um dilema: vale a pena limitar a circulação das pessoas para reduzir o contágio pela Covid-19? Cada nível de governo tem uma resposta, o que gera uma crise política na Espanha e ameaça a aproximação entre a esquerda e a direita iniciada há poucos dias.

O país enfrenta uma nova alta nos casos da doença. O total de diagnósticos diários está acima de 10 mil, similar a março. Já as mortes diminuíram: foram 114 no balanço desta sexta (25), contra quase mil nos piores dias da crise.

A Espanha soma 31 mil mortes por Covid-19 e 716 mil casos, sendo que 400 mil deles ocorrem nos últimos dois meses. É, ainda, o país com mais diagnósticos da doença na Europa ocidental.

A região da capital é o epicentro da nova alta, registrada desde meados de agosto. Há vagas nas UTIs, mas a ocupação nos hospitais começa a preocupar. Em resposta, o governo local adotou restrições por zonas na cidade, com base no número de casos registrados.

Nesta sexta (25), mais oito áreas entraram na lista, totalizando 45, o que afeta cerca de 1 milhão de pessoas. A área metropolitana de Madri abriga 6,7 milhões de habitantes.

Os moradores das áreas sob restrição só podem deixar suas zonas para trabalhar, estudar, ir ao médico, ao banco ou ao tribunal. Parques e jardins foram fechados e os estabelecimentos precisam mandar os clientes embora até às 22h.

A eficácia da medida é questionada: as pessoas das áreas sob bloqueio podem sair diariamente para estudar e trabalhar em outras partes da capital, o que facilita a circulação do vírus. E se o bar fecha 22h, basta ir até outro bairro sem restrições para seguir a noite.

Em Vallecas, no sudeste de Madri, um protesto contra as medidas de contenção terminou em confronto com policiais em uma praça na quinta (24). Três pessoas foram presas.

Nesta sexta (25), o governo federal subiu o tom. O ministro da Saúde, Salvador Illa, disse em entrevista coletiva que o governo recomendou ao comando de Madri que adotasse restrições em toda a capital (onde vivem 3 milhões) e nas zonas com mais contágios, além de proibir o consumo em balcões de bares e lanchonetes, mas foi ignorado.

"É preciso fazer isso. Atalhos não valem", alertou o ministro, que marcou a coletiva para o mesmo horário em que o governo local anunciava novas medidas.

O governo central não pode impor decisões na área de saúde, exceto se adotar medidas como declarar um estado de alerta ou fazer uma intervenção federal. As duas opções são descartadas por ora.

"Mais que confinar Madri, nossa missão é ajudar as pessoas. As medidas que estamos tomando são as adequadas. Testes massivos, limitações de público, quarentenas e o resto, a seguir em frente", respondeu Isabel Ayuso, governadora da comunidade de Madri, nas redes sociais.

A chamada de atenção em público veio poucos dias após uma aproximação entre o governo nacional, chefiado pelo socialista Pedro Sánchez, e Ayuso, do PP, de direita, que lidera a oposição.

Na segunda (21), os dois se reuniram e posaram para fotos, com máscaras e posicionados a certa distância. Prometeram criar um órgão de coordenação e fazer ações conjuntas.

Os dois maiores partidos da Espanha, PSOE e PP se alternam no poder federal desde os anos 1980. Conservador, o PP tem radicalizado o discurso nos últimos anos, como reação ao avanço do Vox, legenda de extrema direita que se tornou a terceira força do Parlamento em 2019.

Durante o auge da pandemia, Sánchez conseguiu aprovar medidas com apoio da oposição, mas foi alvo constante de ataques, que o acusavam de ter falhado na crise.

O país adotou um lockdown rigoroso em março, que impedia as pessoas de sair de casa. As medidas foram sendo retiradas aos poucos, até serem encerradas por completo em junho. Naquele período, também houve atritos com o governo de Madri, que defendia aliviar as restrições mais rapidamente.

Além de lidar com a segunda onda, o governo precisa definir se estende ou não a ajuda a trabalhadores afastados durante a pandemia. Sindicatos pedem mais benefícios, mas as autoridades resistem.

O dilema sobre restringir a circulação afeta a economia. Cerca de 12% do PIB espanhol era gerado pelo turismo, segundo dados da OCDE, de 2017. Um novo fechamento geral pode abalar ainda mais o setor de viagens e lazer, responsável por milhares de empregos.

Além de Madri, outras regiões do país, como Navarra e La Rioja, estão com números elevados, com mais de 400 novos casos por dia, e as cidades e governos locais debatem medidas.

Na Catalunha, que inclui Barcelona, o governo pretende limitar os encontros sociais a no máximo seis pessoas, com exceções para atividades profissionais, educativas e religiosas, além do transporte público. Em alguns casos, ações culturais e esportivas em grupos maiores serão liberadas.

Entre as possíveis causas para o ressurgimento atual da Covid, foram apontadas festas de rua e em casas noturnas e a permissão para um número maior de pessoas fazerem reuniões familiares.

Um estudo da revista médica Lancet, publicado nesta sexta, avalia que houve uma série de erros na retomada das atividades da Espanha após o auge da pandemia.

A reabertura foi feita sem a criação de um sistema efetivo de busca, testes, rastreamento, isolamento e apoio, e as decisões foram tomadas sem haver um padrão unificado para o país todo, segundo o grupo de especialistas que fez o levantamento.

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