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Linguiças opõem Boris à UE 5 anos após consulta do brexit

Por Folha de São Paulo

23/06/2021 9h05 — em
Mundo



BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - Cinco anos depois do referendo que selou sua saída da UE, o Reino Unido encontra-se envolvido na "guerra das linguiças", um conflito que ilustra a dificuldade de implantar o brexit e explica o mau humor dos britânicos com o desenrolar do divórcio.

Em pesquisa feita pelo instituto You.gov nesta segunda (21), 38% da população disse que a condução do brexit vai de ruim a péssima. Os satisfeitos com o andar da carruagem são 25%, enquanto outros 25% acham que a situação não é nem boa, nem ruim; 12% preferiram nem responder.

A chamada guerra das linguiças gira em torno do ponto mais sensível, politicamente, do acordo de retirada, o chamado Protocolo da Irlanda do Norte, negociado para evitar uma fronteira dura dentro da ilha irlandesa. Sem o acordo, seria preciso criar uma barreira de inspeções, já que a República da Irlanda pertence à União Europeia e a Irlanda do Norte, ao Reino Unido.

Bloquear passagens dentro da ilha, porém, seria soprar sobre as brasas ainda vivas do conflito entre norte-irlandeses que defendem a integração com a República da Irlanda e unionistas que se opõem a ela, uma tensão acomodada pelo acordo de paz da Sexta-Feira Santa, firmado em 1998, mas que ainda segue latente.

A fórmula de compromisso entre as duas partes foi manter a Irlanda do Norte dentro do mercado único de bens do bloco europeu. Pelo acordo, assinado pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a fiscalização passaria a ser feita na fronteira marítima entre a Grã-Bretanha (que inclui Inglaterra, Escócia e País de Gales) e ilha irlandesa. E aqui entram as linguiças.

O alimento, assim como nuggets de peru ou almôndegas cruas, é considerado um "produto resfriado à base de carne", e o bloco europeu só autoriza a importação desses artigos alimentícios se estiverem congelados.

Desde que deixou a União Europeia, em janeiro deste ano, o Reino Unido se viu portanto obrigado a congelar as almôndegas que vende para a Bélgica ou os nuggets que exporta para a Grécia, e a mesma regra deveria valer para as linguiças que envia para a Irlanda do Norte.

Como as novas regras e inspeções estavam congestionando portos e esvaziando gôndolas de supermercados, a União Europeia concordou em dezembro com uma suspensão de seis meses na implantação dessa regra, para que a Irlanda do Norte reorientasse sua cadeia de abastecimento.

O prazo se encerraria no próximo dia 1º, mas eis que, a poucas semanas da data final, surge Boris Johnson, posando para fotos em meio a fileiras de linguiças amarradas e declarando que não poderá cumprir a regra. No Parlamento britânico, ele discursou prometendo fazer "tudo o que estiver a seu alcance" para "proteger a integridade territorial e econômica do país".

"Tudo a seu alcance" começou com um pedido de nova carência, agora até o final de setembro, mas há quase nenhuma boa vontade dos europeus para aceitar mais esse recuo britânico, e a negociação ocorre aos trancos, enquanto crescem tensões políticas norte-irlandesas.

Não é pelas linguiças, ou não só por elas, disseram unionistas a Boris nas últimas semanas. Eles não aceitam que a Irlanda do Norte seja tratada de maneira diferente do resto do Reino Unido e querem que os controles acordados no brexit sejam ignorados.

O primeiro-ministro britânico jogou a bola para a quadra europeia, pedindo flexibilidade, mas a Comissão respondeu que já foi flexível em outros casos, como remédios ou carros usados. Se Boris continuar jogando areia no acordo que assinou, afirmaram os negociadores da União Europeia, a conversa passará para os tribunais.

Os europeus já afirmaram que a extensão unilateral do período de carência pelo Reino Unido viola a lei internacional, e uma decisão favorável a essa tese no Tribunal de Justiça Europeu pode impor multas aos britânicos.

A temperatura subiu tanto que a discussão chegou a contaminar parte das discussões do G7, fórum de sete entre as maiores potências industriais do mundo, com troca de farpas entre Boris e o presidente da França, Emmanuel Macron, e a intervenção do presidente norte-americano, Joe Biden (que tem antepassados irlandeses e ingleses).

Os vizinhos pressionam Boris a não perturbar o delicado equilíbrio do acordo da Sexta-Feira Santa, que encerrou três décadas de uma guerra civil responsável por 3.700 mortos na Irlanda do Norte.

A paciência da população do Reino Unido com o vaivém da separação também é cada vez menor, mostram as sondagens do You.gov, que desde o referendo, em 23 de junho de 2016, pergunta se os britânicos consideram certo ou errado ter aprovado a saída da União Europeia.

Ao longo desses cinco anos, a fatia dos britânicos que desaprovam o brexit cresceu e a dos favoráveis caiu, e no final do ano passado, pouco antes do término do período de transição, 51% lamentavam a saída, contra 40% que a consideravam a decisão correta.

Com o divórcio consumado, 49% dos britânicos afirmaram que, se o plebiscito fosse hoje, votariam em ficar, contra 37% em sair; os 13% restantes não responderam ou não sabem. Numa hipotética votação sobre a reinserção no bloco europeu, porém, 42% dizem que votariam a favor da volta à União Europeia, apenas dois pontos à frente dos 40% contra a adesão (18% não deram preferência).


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