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Há mais de um ano não sei se meu filho está vivo, diz pai de detido em El Salvador

Por Folha de São Paulo

10/02/2024 12h00 — em
Mundo



SAN SALVADOR, EL SALVADOR (FOLHAPRESS) - Há mais de um ano, Reynaldo Vanegas, 56, sai de casa levando uma bolsa a tiracolo com um chumaço de documentos para fazer um périplo pelos órgãos de direitos humanos e justiça de El Salvador. Na pasta há arquivos como fotos, ficha de antecedentes criminais e histórico trabalhista de seu filho, Jonathan Castillo, que ele não vê desde dezembro de 2022.

"Ele tinha 20 anos", diz Vanegas sobre o último encontro dos dois. "Fez 21 no ano passado, dia 27 de março, dentro da prisão. A mesma data fatídica desse maldito regime", afirma, em referência ao estado de exceção que o presidente de seu país, Nayib Bukele, prorroga em El Salvador há quase dois anos.

Chave da reeleição do populista que virou ídolo da direita na América Latina, o instrumento é aplicável, segundo a Constituição salvadorenha, "em casos de guerra, invasão de território, rebelião, sedição, catástrofe, epidemia ou outra calamidade geral, ou graves perturbações da ordem pública".

O país centro-americano não está em nenhuma dessas situações, o que não impediu Bukele e a Assembleia sob seu controle de renovar o mecanismo 22 vezes até agora.

O presidente lançou mão da medida após uma onda de violência eclodir e interromper meses de relativa paz na nação que sustentava alguns dos índices mais altos de violência do mundo há alguns anos. Segundo revelou a imprensa local meses depois, essa ruptura teria ocorrido por uma quebra de acordo entre membros do governo e uma das principais gangues salvadorenhas.

Fato é que, assim como Bukele, a medida que desencadeou um encarceramento em massa, com mais de 70 mil detidos, conta com o apoio da população. De acordo com uma pesquisa da UCA (Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas) feita em dezembro de 2023, 40,5% dos salvadorenhos acham que a criminalidade diminuiu por causa do estado de exceção, e apenas 1,3% cita a prisão de inocentes como o problema social que mais os afeta.

Este é o caso de Jonathan, afirma Vanegas. No mês de sua prisão, Bukele promovia um de seus cinematográficos cercos de cidades para supostamente atacar gangues. "Era uma zona de guerra", diz Vanegas sobre Soyapango, na região metropolitana da capital, San Salvador. "Foi o fim do mundo, lembrávamos da época dos anos 1980, quando a ditadura nos atacava."

Agentes policiais entraram na sua casa no meio da tarde de 26 de dezembro de 2022 e levaram seu filho. Naquele momento, ele se divertia com um videogame que os policiais classificaram, segundo Vanegas, de "jogo de mareiro" —uma referências às maras, como são chamados os grupos criminosos do país.

Após revistar a residência, checar celulares, verificar a identidade de Jonathan e, ainda de acordo com o relato de Vanegas, não encontrar nada, os policiais prenderam o jovem sem indicar qual seria seu delito. Falaram apenas, segundo o pai, que ele seria um distribuidor de drogas ilícitas, embora a Procuradoria tenha informado posteriormente que Jonathan foi preso, na verdade, por suposta associação criminosa.

"Não nos escondemos porque somos parentes de vítimas inocentes", diz ele em uma conversa na sede da Unidade Nacional de Trabalhadores Salvadorenhos, em San Salvador. Ao seu lado, cinco mulheres, cada uma com uma pasta de documentos de seu familiar, assente com a cabeça. "A Constituição nos dá presunção de inocência, mas não podemos nos defender devido a todo o poder político que o presidente tem."

Com o estado de exceção, o país suspendeu o direito de associação e de reunião, cessou a inviolabilidade das comunicações, estendeu o prazo para audiências de custódia, em que os magistrados decidem sobre a legalidade de determinada captura, e proibiu até mesmo que advogados visitassem seus clientes na cadeia. Os detidos são julgados em sessões coletivas, com outras centenas de pessoas.

Desde então, sua vida foi readaptada para a odisseia que enfrenta na tentativa de achar brechas para tentar soltar seu filho. "Sou padeiro, mas desde a captura dele eu não trabalho. Minha esposa e meu outro filho continuam trabalhando", diz ele. "Sou como aquele cachorro de rua que acorda de manhã e sai em busca de comida."

A cada 15 dias, Vanegas leva uma sacola com um kit de higiene básica e alimentos até o local indicado em um pequeno quadrado de folha sulfite que contém basicamente a única informação dada pelas autoridades sobre o seu filho.

"Se eu estivesse na casa no momento da prisão, não sei o que teria acontecido. Porque eu não deixaria que o levassem. Estou sofrendo esse calvário de não saber se ele está vivo há um ano e 40 dias. E pagando por algo que não cometemos", diz Vanegas com a voz embargada.

Desde o início da gestão Bukele, pelo menos 224 pessoas morreram sob custódia do Estado, segundo a organização Socorro Jurídico Humanitário. A possibilidade de subnotificação é grande, já que o governo pôs esses dados sob sigilo durante sete anos. De acordo com a entidade, 45% das mortes tinham indícios de violência, e 28% morreram por possível negligência médica.

Bukele, porém, costuma ironizar as evidências de maus tratos em sua conta no X. Em duas ocasiões, compartilhou fotos de pessoas capturadas, com marcas de agressão na boca. "Claramente estava comendo batata frita com ketchup", escreveu na frente de um emoji de batatas. Ele também ameaçou deixar de dar alimento à população carcerária se houvesse violência nas ruas. "Juro por Deus que eles não comem um grão de arroz", afirmou.

Segundo Marvin Reyes, um ex-policial que fundou o Movimento dos Trabalhadores da Polícia, o grupo recebeu relatos de que havia um sistema de cotas de prisões para as unidades. "Delegacias grandes, como a de San Salvador, estabeleciam uma meta de 40 pessoas presas por dia", afirma. Isso fez com que diversos jovens fossem detidos apenas por morarem em um local dominado por gangues.

Para Reyes, o que ocorre em El Salvador é um ponto de virada no perfil da Polícia Nacional Civil do país, criada após os acordos de paz de 1992, que encerraram uma guerra civil de 12 anos.

"As novas gerações de policiais são militarizadas, praticamente desconectadas da sociedade", afirma ele. "Simplesmente obedecem a um comando, ao oficial encarregado. Estão saindo soldados."


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