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Entre 'pedaladas climáticas', países testam viabilidade do Acordo de Paris

Por Folha de São Paulo

21/04/2021 4h35 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Cúpula do Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, para esta quinta-feira (22), oferece uma nova chance para os países, a começar pelos Estados Unidos, apresentarem metas climáticas mais próximas do objetivo do Acordo de Paris, que prevê a contenção do aumento do aquecimento global entre 1,5ºC até 2ºC.

O acordo —que já foi ratificado como lei em 191 países, incluindo o Brasil— prevê que cada nação crie sua própria meta e envie uma revisão à ONU a cada cinco anos.

A primeira atualização das metas foi submetida em dezembro de 2020, mas ainda deixa uma lacuna de incertezas para o cumprimento de Paris. Apesar dos anúncios otimistas, a soma de todas as novas metas revisadas em 2020 resulta em apenas 1% de redução das emissões globais de gases-estufa até 2030, segundo o cálculo feito pela Convenção-Quadro da ONU sobre mudanças climáticas.

De acordo com as pesquisas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), o mundo precisaria reduzir 45% das emissões nesse período, para evitar os cenários mais catastróficos do clima, como a inundação de cidades litorâneas e o desaparecimento de países-ilha, projetados em cenários de aquecimento superior a 1,5ºC.

Segundo o Climate Action Tracker, iniciativa que monitora as políticas climáticas dos principais emissores, os cenários de aumento da temperatura global até o fim do século variam de 3,9ºC —caso os países mantenham suas políticas públicas atuais— até 1,7ºC, caso os planos mais otimistas se concretizem.

Esse último cenário, mais próximo do objetivo do Acordo de Paris, considera a implementação da meta de zerar as emissões até 2050, anunciadas ao longo do último ano por países do bloco desenvolvido, como União Europeia, Reino Unido, Japão e Estados Unidos —responsáveis por mais de 25% das emissões históricas e 12% dos níveis atuais. A China, que lidera o ranking atual com 26% das emissões globais, promete zerá-las até 2060.

O líder chinês Xi Jiping anunciou metas mais contundentes do que as firmadas há cinco anos, como o corte de 65% da intensidade de emissões do PIB chinês em relação aos níveis de 2005.

A meta anterior citava um corte de 60 a 65%. O país também subiu a participação de fontes não-fósseis de energia (a partir de renovável ou nuclear) para 25% —a meta anterior era de 20%. Por fim, também estimou que o pico das emissões deva acontecer antes de 2030.

Os anúncios de novas metas climáticas de outros países altamente poluidores também são recebidos pela comunidade internacional com desconfiança, já que os números aparentemente ambiciosos podem esconder truques e incertezas nos detalhes.

A China e a Índia (que responde por 7% das emissões globais, segundo o World Resources Institute) não têm metas absolutas de redução, mas de esforços proporcionais ao crescimento econômico.

Segundo a análise do Carbon Brief, a China projetou um crescimento anual do PIB de 7% entre 2011 e 2015, com redução de 17% na intensidade de emissões da economia. Na prática, a participação menor das emissões na economia ainda resultou em um aumento de 16% dos gases-estufa na atmosfera.

A nova meta climática da Rússia, que também figura entre os maiores emissores globais, foi recebida com críticas da comunidade internacional. A meta de reduzir 30% das emissões em relação ao ano de 1990 já estaria alcançada pelo país, que emitia mais naquele período do que hoje. Segundo o Climate Action Tracker, as políticas atuais do país indicam uma emissão 43% abaixo de 1990, o que deixa espaço para o país aumentar a liberação de gases-estufa.

Já a revisão da meta enviada pelo Brasil foi acusada por especialistas de retrocesso no compromisso climático, tanto do ponto de vista da integridade ambiental, quanto do contexto jurídico implicado pelo acordo climático. O país confirmou a meta de redução de 43% das emissões de gases-estufa em 2030, com base no valores de 2005.

No entanto, o país passou a utilizar o novo inventário para o ano-base, com cálculo atualizado por novo método, o que revela um pico de emissões em 2005 ainda maior do que era conhecido. Ao atualizar o valor de referências das emissões de 2005 sem ajustar proporcionalmente os números da meta, há na prática uma elevação do teto de emissões.

Segundo o cálculo do Observatório do Clima, na nova meta de redução de emissões, o Brasil passa a poder emitir até 400 milhões de toneladas de gases-estufa a mais do que o previsto no compromisso anterior.

Uma análise publicada pelo Instituto Clima e Sociedade concluiu que a meta brasileira foi "rebaixada" em relação à anterior. "Uma revisão 'para baixo' não é permitida pelo Acordo de Paris", conclui o documento.

No entanto, a secretária-geral da Convenção-Quadro da ONU sobre mudanças climáticas, Patricia Espinosa, afirmou à reportagem que "não há nada no Acordo de Paris sobre países que fazem menos ou não cooperam, não há tribunal ou julgamento, trabalhamos para que os países estejam convencidos de que o acordo é do seu interesse nacional".

Entre as metas ambiciosas de emissões zero em 2050 e as desconfianças, pedaladas e até o negacionismo implicados no contexto dos anúncios no curto prazo, o governo americano busca agora uma articulação para renovar o momento político do acordo climático.

Há uma expectativa entre negociadores de que os Estados Unidos anuncie a meta de cortar pela metade suas emissões em 2030, chegando na metade do caminho para zerá-las até 2050. O enviado especial de clima dos Estados Unidos, John Kerry, tem se encontrado com líderes globais em busca de anúncios conjuntos e teria recebido sinalizações positivas de países desenvolvidos, como Japão e Canadá, que também podem anunciar metas ambiciosas nesta semana.

No último sábado, os Estados Unidos fizeram um anúncio conjunto com a China reafirmando o compromisso de ambos com as metas do Acordo de Paris. Em 2015, os dois países haviam anunciado suas metas conjuntamente, indicando um cenário favorável à assinatura do acordo climático. Em meio a novas desconfianças, a repetição do gesto político busca reassegurar ao mundo a direção de uma economia de baixa emissão de gases-estufa.

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