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Deputada republicana que investiga Trump perde primária e está fora de eleição nos EUA

Por Folha de São Paulo

17/08/2022 12h06 — em
Mundo



WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Em comício em maio deste ano no estado de Wyoming, na região oeste dos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump recomendou a seus apoiadores: "Vocês vão dizer a Liz Cheney, 'Liz, você está demitida, saia daqui'", ecoando o bordão que o fez ficar famoso como apresentador da versão americana do programa "O Aprendiz".

Os eleitores obedeceram. Na noite desta terça (16), Cheney, deputada republicana por Wyoming, perdeu a primária do partido que decidiu quem se candidatará pela legenda à eleição legislativa de novembro, em uma das prévias mais peculiares das midterms (eleições de meio de mandato).

O pleito chama a atenção pela dedicação que Trump e seus apoiadores dedicaram para remover uma das deputadas mais conservadoras da Câmara, que foi condizente com a agenda do ex-presidente em 93% dos votos em projetos discutidos na Casa, segundo acompanhamento da imprensa americana.

Eleita pela primeira vez na mesma noite em que Trump foi escolhido presidente dos EUA, em novembro de 2016, a deputada teve sua vida política virada de cabeça para baixo desde que o político passou a questionar, com base em mentiras, o resultado do pleito que perdeu para Biden em 2020.

Ainda no governo republicano, Liz Cheney foi reeleita duas vezes (em 2018 e 2020) e viu seu nome ser cotado para a presidência da Câmara e mesmo como eventual candidata à Casa Branca no futuro. No final da gestão Trump, porém, ela foi um dos dez nomes do partido na Câmara a votar a favor do impeachment do então presidente dias depois da invasão do Capitólio -ele acabou absolvido no Senado. Depois, assumiu a vice-presidência da comissão que investiga o episódio, considerado o mais grave ataque à democracia na história recente do país.

Com a movimentação, a deputada viu seu futuro político escorrer pelo ralo quando o próprio ex-presidente e seus apoiadores entraram na campanha para evitar sua reeleição -enterrada nesta terça, de acordo com as projeções da mídia americana.

"A narrativa falsa que Liz Cheney está promovendo tem sido o pretexto da esquerda radical para sua guerra total contra a liberdade de expressão: a perseguição dos presos políticos de 6 de Janeiro", disse Trump no discurso em maio, na cidade de Casper.

Desde o início da investigação contra o ex-presidente, Cheney anda com escolta após receber uma série de ameaças de morte.

Trump apoiou a vencedora do pleito, Harriet Hageman, que desde o início das pesquisas aparecia com ampla vantagem. Curioso é que Hageman era contumaz crítica de Trump nas primárias de 2016, quando apoiou o senador Ted Cruz como candidato à Casa Branca. Na ocasião, também apoiou Cheney para a Câmara, a quem chamou em discursos públicos de amiga.

O movimento mais inusitado nessas prévias, no entanto, foi o volume de democratas -incluindo um ex-governador, Mike Sullivan-- que se cadastraram no Partido Republicano para aparentemente votar em Cheney, confiando em suas críticas a Trump. De janeiro a agosto, o número de filiados ao Partido Democrata caiu em 6.000 no estado, enquanto o de republicanos cresceu 11.495.

A cifra pode parecer pequena, mas tem alguma expressão no Wyoming, estado menos populoso dos EUA, com cerca de 579 mil habitantes espalhados por uma área maior que a do Reino Unido (que tem 67 milhões de habitantes).

Chama a atenção também que democratas tenham mudado de partido para votar em uma candidata com posições tão diametralmente opostas a bandeiras da legenda, como no caso do direito ao aborto. "Sempre fui fortemente pró-vida", escreveu ela no Twitter quando a Suprema Corte mudou de entendimento para dizer que a interrupção da gravidez não era um direito federal garantido pela Constituição.

"Não votei nela pelas políticas que defende; é literalmente um voto para salvar a República", disse Pat Lauber, que se filiou ao Partido Republicano após 40 anos como democrata, ao canal americano CNN. "Eu a vejo como uma pessoa de coragem e integridade."

Wyoming é talvez o estado mais republicano dos EUA, onde Trump teve a maior vantagem sobre Biden em 2020, com 69,9% dos votos --desde 1976 o estado não elege democratas para cargos federais, ainda que tenha eleito um governador do partido no começo dos anos 2000. A população do maior produtor de carvão do país e um dos principais produtores de gás natural e petróleo tem especial desconfiança em relação às pautas ambientais da legenda de Biden.

A candidata derrotada nesta terça carrega um sobrenome forte. Seu pai, Dick Cheney, foi secretário de Defesa de George H. W. Bush (pai) e vice-presidente de George W. Bush (filho), descrito como o homem mais poderoso no cargo de que se tem notícia --vivido no cinema no premiado "Vice", de 2018, por Christian Bale.

Dick entrou na jogada para defender a filha nas campanhas lideradas pelo ex-presidente. Em anúncio veiculado na TV, o ex-vice chamou Trump de covarde.

"Nos 246 anos de história da nossa nação, nunca houve um indivíduo que fosse uma ameaça maior à nossa República que Donald Trump. Ele tentou roubar a última eleição usando mentiras e violência para se manter no poder depois que os eleitores o rejeitaram", disse. "Um homem de verdade não mentiria para seus apoiadores."

Não foi o suficiente para salvar a filha da grande influência que Trump ainda detém sobre parcela do partido. "Nenhum cargo é mais importante do que os princípios que todos juramos proteger. A primária acabou, mas agora é que o verdadeiro trabalho começa", disse Cheney em discurso na noite desta terça reconhecendo a derrota.

Dos dez deputados republicanos que votaram pelo impeachment do republicano, oito estarão fora da eleição de novembro: quatro se aposentaram e quatro perderam as primárias, incluindo Cheney. Nas cédulas de novembro devem estar apenas David Valadão, da Califórnia, e Dan Newhouse, de Washington.


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