Novas divagações
Para não começar a criticar a propaganda eleitoral que começou nessa sexta, preferi, á frente do computador, novamente divagar. Pela maturidade,ficamos mais calados. E daí em algumas ocasiões vem o silêncio. O silêncio é uma granada escutada na fuga da alma. O homem senta-se ante do birô noturno da vida para escrever o instante. As palavras fogem. E apenas há ressonâncias sinalizando a eventualidade das sílabas nos lábios. Sente ser apenas de carne e sonho, sangue e esperanças vagas possibilidades de ecos nas odisseias cavalgadas. Cataloga lembranças que cedo lhe queda o riso do arvoredo à beira-mar. Entra nas labaredas do alvorecer, catando linguagem. Silencia. Vê a ciranda das horas passar. Dedos pesados de chumbo. Livros e livros sobre a mesa. Sacrifício inconcluso no calendário. Como se a lâmina resoluta cortasse rajada, seus dias e vocabulário. A varanda em penumbra anuncia sua nostalgia. Tinem rajadas e folhas longilíneas no traçado da missão anunciada.
De espanto se faz o caminho-ribeirinha dos afogados. A paisagem é este estandarte florido, berço acústico no imaginário da tarde dos encontros e das palavras. Pulsam partituras de festim nas cordas serenas do indivisível do coração que se despoja no cavalete das pinturas envelhecidas. Assim como as palmeiras guardam em seu mistério secular o gorjeio das aves, os crepúsculos frondosos de buscas também suportam o camuflar silencioso das horas incontáveis na ampulheta dos braços incontidos e indizíveis. A palavra é o espelho, e a poesia é um vidro quebrado. Há de ser distorcida a palavra para tirar dela a essência e a cor crucial de sua plasticidade. Trabalhar com elas é um risco permanente de se tonar luz, ou cadafalso, o caminho do mundo. ser um verdadeiro lavrador da metáfora e do sentimento.
Os versos podem ser pesados ou leves conforme os aviões. E tem-se que confiar em seu rumo quando se embarca numa dessas aeronaves sem nunca se ter visto o piloto. De repente, pode um voo libertar ou aprisionar. Um voo do gavião certeiro, que não sai do chão sem a presa em plena mira. Ou um ultraleve, que sobrevoa os açudes e, de repente, encontra o oceano. Das cores a correr no meio-fio do amanhecer da ilusão humana. Às vezes considera, porém, esse ofício desmerecido. Talvez ser topógrafo, projetando traçados de ruas ou avenidas. Ou a terra, que sempre extrai da semente um sabor novo. No entanto, suas construções são palácios suntuosos como sonetos, os tercetos. Ou designers pós-modernos dos versos livres. Sua alquimia é o elixir insondável da transubstanciação, renovando os sentidos da verve.
O poeta é filho da linguagem. Poemas são lavras que consomem por dentro o coração. A leitura dos versos deve ser o olhar penetrante da medusa, que transforma curiosidades em granitos. O sonho, Ledo Ivo, é um poema incontrolável. Talvez por isso mesmo os poetas sejam considerados lunáticos. A lua, certamente, sempre foi o astro principal da constelação da lírica. Não quer que o conheçam como poeta da dor ou do amor, mas, como poeta da revolução. Tapete de sangue a se estender no caminho de luta da humanidade. Que a poesia possa despertar nos leitores a ânsia da liberdade. Liberdade não somente de formas, mas de conceitos, de comportamentos sociopolíticos. A boa política da participação, do estar com os pés no mundo e o semblante mirando o futuro. É preciso ter sempre o coração no lugar certo. Também, o silêncio. Não se deixar perder da missão da vida pelo secundário que a assedia. E como angústia ter que responder, com imagens a sentimentos!
Palavras podem vir despojadas de afeto como os homens. Temos de revesti-las de significado como uma boneca nua. Palavras, Myriam Fraga, são tatuagens a quatro mãos. As pernas só são estiletes, quando de cruzam para cortar a carne e multiplicar o mundo. E não a ansiedade, mas a alegria que separa os dedos numa alegoria de frenesis sem fim. Onde as mãos são instrumentos de dedilhar a pele e incandescer o relaxar do riso e do encanto escancarados. Desvincula-se, súbito, do papel. Já não tem medo de sua opulência. Coloca o assento neste cavalo indomado. E cavalga neste crepúsculo, tendo as nuvens como estrada e a sombra da moça desconhecida como retrovisor.
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