Governo mudar meta torna trabalho do BC mais difícil, diz Campos Neto
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira (15) que mudanças que tirem a credibilidade da meta fiscal tornam o trabalho da autoridade mais difícil e aumentam o custo da política de juros.
A declaração foi dada no mesmo dia em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs uma revisão na trajetória das contas públicas, reduzindo a velocidade do ajuste fiscal. Para 2025, a meta fiscal passará a ser zero, não mais um superávit 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
"Torna nosso trabalho muito mais difícil se houver a percepção de que não há uma âncora fiscal, porque a âncora fiscal e a âncora monetária precisam trabalhar juntas", afirmou Campos Neto em evento nos Estados Unidos.
"Então, sempre que há uma mudança no governo que torna a âncora fiscal menos transparente ou menos crível, significa que você tem que pagar com custos mais altos do outro lado, então o custo da política monetária se torna mais alto", complementou.
Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em março, o colegiado do BC reduziu a taxa básica de juros (Selic) em mais 0,5 ponto percentual, para 10,75% ao ano.
A ata do encontro mostrou que alguns membros do comitê avaliam que uma desaceleração no ritmo de cortes de juros poderá ser apropriada se a incerteza nos cenários doméstico e global continuar elevada à frente.
Ao detalhar os fatores que tornaram o cenário mais incerto, o Copom citou que tinha dúvidas com relação à velocidade de desinflação de serviços em função da atividade econômica mais resiliente. A questão fiscal não estava no centro do debate.
Em linha com a comunicação oficial do Copom, Campos Neto voltou a repetir nos Estados Unidos a mensagem de que o ideal é que as metas não sejam alteradas e que se faça "o máximo possível em termos de esforço" para alcançar os alvos estabelecidos.
"Se, por algum motivo, você tiver que fazer um desvio nisso, é muito importante comunicar bem, porque se as pessoas perderem a confiança na âncora fiscal, então a âncora monetária é afetada, e vimos isso repetidamente em nossa história", disse.
Na tarde desta segunda, a poucas horas da divulgação oficial do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) confirmou à GloboNews a meta zero no ano que vem, em uma pouco usual entrevista exclusiva concedida pelo titular da pasta antes de uma coletiva à imprensa convocada para tratar justamente do tema.
A tarefa de explicar a piora no cenário fiscal coube a secretários das duas pastas, já que nem Haddad nem a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) participaram da coletiva.
As preocupações com o aquecimento da economia americana e com a mudança na meta fiscal levaram o dólar a registrar alta de 1,19% e encerrar o dia cotado a R$ 5,182, seu maior valor desde março de 2023. A moeda americana chegou a bater R$ 5,214 na máxima da sessão após Haddad confirmar a alteração.
Para Campos Neto, o real se torna mais frágil "quando o fiscal entra em jogo". O presidente do BC, contudo, vê essa trajetória como um movimento de curto prazo.
"Ele [real] está relativamente fraco em um curto prazo. Se olharmos para o médio prazo, estamos sempre performando igual ou melhor do que nossos pares. Acredito que tem a ver com o fato de que agora estamos precificando o equilíbrio fiscal globalmente", disse.
Ele admite que o país tem uma dívida pública alta -uma piora no alvo da política fiscal deve ter consequências negativas sobre essa trajetória.
Pelas projeções do Executivo, a dívida continuará subindo até 2027, quando alcançará os 79,7% do PIB, para só então começar a cair lentamente até 74,5% do PIB em 2034 -ainda assim, um patamar semelhante ao observado no fim de 2023 (74,4% do PIB).
"Porque nossos números fiscais, especialmente quando olhamos para a dívida em relação ao PIB, são mais altos, acredito que quando o fiscal entra em jogo, ele [real] se torna mais frágil. Mas acho que grande parte disso é movimento de curto prazo", disse.
"Agora estamos passando por essa fase de precificação de ativos. O Brasil está sofrendo um pouco por causa da dimensão fiscal do problema", acrescentou.
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