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Economistas divergem e argumento 'do coração' gera debate sobre machismo

Por Folha de São Paulo

25/02/2021 20h04 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma discordância entre os economistas Monica de Bolle e Armínio Fraga, que debatiam questões fiscais em uma conferência online na terça-feira (23), migrou para uma discussão nas redes sociais sobre machismo. A faísca foi o ex-presidente do Banco Central classificar um discurso de De Bolle como sendo do "coração".

"É fácil fazer esse discurso e ele mexe no coração da gente. Só acho que é preciso certo cuidado", afirmou Armínio após uma longa fala da professora da Universidade Johns Hopkins.

Ela defendia auxílio emergencial sem condicionalidades e criticava o esvaziamento do debate sobre responsabilidade fiscal. Segundo ela, a discussão de política orçamentária não coloca a sociedade e a campanha de vacinação como elementos centrais e tem sido usada para a "relativização das mortes".

O encontro também reunia os economistas Laura Carvalho (USP), Esther Dewck (UFRJ), André Lara Resende (ex-presidente do BNDES) e o cientista político Josué Medeiros, do Observatório do Conhecimento, que promovia o debate sobre universidades brasileiras.

"Armínio, não vamos fazer essa coisa de coração versus razão que isso não é legal", interveio a economista.

"Acho que a gente pode encerrar aqui, está virando um bate-boca e não uma discussão mais séria", disse Fraga.

"Quando entra no mérito do coração versus o intelectual realmente vira uma conversa não séria. Eu concordo com você", rebateu a professora.

Depois da discussão, De Bolle escreveu em seu perfil no Twitter que é "comum mulheres serem interrompidas ou terem suas falas rotuladas de 'coração' enquanto as dos homens são da 'razão'".

"É comum serem chamadas de histéricas, descontroladas, estressadas, nervosas, quando são assertivas. É especialmente comum esse tipo de coisa na economia, campo onde já não me vejo 'enquadrada' há muito. Há alguns meses passei por isso em debate público com 'medalhões' brasileiros."

"A vítima não existe nessas situações, não da forma como tentam enquadrar os medalhões. A única coisa que existe é desrespeito, falta de educação, e dificuldade de conviver com mulheres que falam o pensam livremente. Essas atitudes não têm mais espaço", acrescentou.

Procurado pela reportagem, Armínio Fraga disse que a forma que De Bolle falava antes de sua intervenção "passava a impressão que ela tinha o monopólio da raiva da pobreza, da raiva da desigualdade".

"Fiquei incomodado com a forma, pedi a palavra, fui interrompido de forma surpreendente. Como alguém pode levar isso a uma discussão sobre machismo realmente é um mistério para mim", afirmou à reportagem.

"Homem também chora, também tem coração, não sei como ela pode achar que isso expressa machismo. Isso não sou eu, é incompreensível. Me incomodou profundamente uma acusação tão seria como essa."

À reportagem, De Bolle afirmou que "isso é recorrente e infelizmente corriqueiro com várias mulheres de muitas áreas. "A economia é especialmente tóxica. Fico sempre pensando nas mulheres mais jovens que desistem da profissão por causa da toxicidade."

Usuários do Twitter se dividiram: uns apoiaram De Bolle em sua visão de que o comentário foi machista, outros concordaram com Armínio de que não houve esse caráter na fala.

Alguns acusaram De Bolle de reduzir o debate à militância vazia e exaltaram a educação de Fraga, citando sua postura gentil com antigas colegas mulheres. Outros endossaram o discurso da economista, apontando, por exemplo, que Fraga só se dirigia a André Lara Resende.

O economista Vinícius Carrasco escreveu que Armínio Fraga "é a pessoa mais doce, gentil e educada que conheço. Faz uso dos três atributos para discordar do quê e de quem seja".

"Associar a discordâncias supostas agressões é das mais covardes técnicas de discussão", disse em seu perfil.

"Mulheres são mais frequentemente desqualificadas, sim, havendo ou não a intenção do interlocutor. E o debate econômico brasileiro me parece especialmente hostil", escreveu Laura Carvalho, presente no debate.

Ela sugeriu aos economistas que sempre tentem "debater o argumento do interlocutor".

Antes do conflito, o debate tratava da política orçamentária. Para De Bolle, os próximos anos serão piores se a política econômica "não servir à população", considerando os aspectos mais sociais para os rumos da política fiscal.

"Essa situação [da pandemia] é inédita, nunca passamos por isso, e não tendo nunca passado por isso, o passado não nos serve. A partir do momento que o passado não nos serve, a cabeça que temos que ter para pensar à frente tem que ser uma cabeça com ideias", disse.

Fraga, que se considerou o único representante de uma ala mais ortodoxa, afirmou que não havia discordância no debate sobre os "aspectos fundamentais do que queremos no país", referindo-se à saúde, mas que a discussão precisa acontecer de maneira mais organizada.

"Não estou defendo austeridade radical, acho que isso nao está acontecendo. Mas acharmos que não existe limite é, ao meu ver, um risco que não deveríamos correr", disse.

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