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Como um fuzil sumiu do Tjam e foi parar nas mãos de criminosos no Amazonas


Por Raimundo de Holanda

15/01/2022 20h00 — em
Bastidores da Política



É urgente que o Tribunal de Justiça do Amazonas faça uma rigorosa inspeção no setor responsável pela guarda de armamentos apreendidos. E tenha a grandeza de revelar falhas, caso constatadas. Afinal, há uma pergunta na boca dos amazonenses e que precisa de resposta: apenas o fuzil, utilizado contra a viatura da polícia civil e que matou dois custodiados,  desapareceu?

Uma arma apreendida em março do ano passado e que já deveria ter sido entregue ao Exército Brasileiro, conforme  Resolução 134 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), saiu do controle do Tribunal de Justiça do Amazonas e foi parar nas mãos de criminosos - os mesmos que planejaram e executaram o atentado a um carro da Polícia Civil em 6 de janeiro, matando dois custodiados. Ironia ou não, o atentado ocorreu em frente ao Fórum do Tribunal.

A arma estava sob garantia judicial nos autos do processo 0624496-24.2021.8.04.0001.

A complexa situação afronta a inteligência do cidadão que indaga como se explica o fato de uma arma que esteve em depósito judicial ter sido usada para o extermínio de custodiados que estavam sob a proteção do Estado?

Em nota, o TJAM promete séria apuração, e aqui, longe de colocar em xeque o interesse público manifestado pela Corte, importa questionar as razões pelas quais depois de um ano o fuzil não foi entregue aos supostos proprietários que reivindicavam abertamente sua posse, nem ao Exército para a sua destruição, nem evoluiu o processo civil em relação ao pedido formulado por aqueles que reivindicavam sua posse? A decisão de entregá-lo à policia, após parecer do  Ministério Público, é por si mesma discutível, mas empacou em uma escandalosa evidência: havia desaparecido.

A Resolução 134 do CNJ é muito clara :”as armas de fogo e munições nos autos submetidos ao Poder Judiciário  deverão ser encaminhadas ao Comando do Exercito, para destruição ou doação, nos termos previstos no artigo 25, da Lei 10.826, de 2003. Já as depositadas em juízo, como objeto de processo crime em andamento e fase de execução penal ou arquivados, deverão, no prazo de 180 dias ser encaminhadas ao comando do Exército para os devidos fins, salvo  se a sua manutenção for justificada por despacho fundamentado". Não houve esse despacho, ao menos em medida que o justificasse.

Ora, ao negar a entrega do fuzil ao suposto proprietário, o juiz do feito justificou que a reivindicação deveria ser feita mediante a instauração de processo civil. Então  a cessão, mesmo à policia, estava obstaculizada.

Mas só não ocorreu porque a medida judicial que autorizava a entrega do armamento à Policia não pôde ser cumprida: o agente que compareceu ao tribunal foi informado que a arma havia desaparecido. 

No que pese todas essas circunstâncias e as providências que estão sendo tomadas para se apurar eventual participação de funcionários supostamente envolvidos, importa também ponderar que, desde o momento em que houve dúvida quanto a propriedade da arma, e por uma questão de segurança, sua remessa ao Ministério do Exército era imprescindível, pois  já se havia laborado a  necessária perícia. 

Armas de fogo e munições apreendidas, quando em mãos alheias, traduzem uma potencialidade de dano à ordem pública e merecem um tratamento mais rigoroso por parte do Tribunal de Justiça do Amazonas, uma maior estrutura administrativa, uma equipe de segurança que planeje, organize e mantenha a integridade desses armamentos apreendidos enquanto não são encaminhados ao  Ministério do Exército.

Quando identificado o desaparecimento da arma e o fato comunicado à direção do Tribunal de Justiça do Amazonas,  certamente deva ter havido a tomada de providências. Mas na contramão de tema de tamanha relevância, somente agora, com o último episódio e de suas nefastas consequências, o tema volta à tona, como se a importância nascesse com uma nova data, posterior àquela em que matéria de extrema complexidade já havia sido noticiada como tema de interesse público. 

E fica, afinal, uma indagação: apenas um fuzil desapareceu? É urgente que o Tribunal  de Justiça do Amazonas dê início a uma rigorosa inspeção no setor responsável pela guarda de armamentos que fazem parte de autos processuais.  E tenha a grandeza de revelar falhas, caso constatadas. 

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Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.