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Companhia Cisne Negro contrapõe leveza e angústia com 'Instar' e 'Passion'

Por Folha de São Paulo

24/05/2024 18h16 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma dança a cores, outra em preto em branco. Os figurinos de "Instar" e "Passion", coreografias que a companhia Cisne Negro estreia neste sábado, 25, no Sesc Consolação, dizem muito do espírito de uma e outra -tão complementares e tão diferentes.

"Instar", de Elie Lazar, coreógrafo israelense um dos fundadores da companhia oficial da Joffrey Ballet School de Nova York, é uma dança aérea. "Eu vim mais do balé clássico. Como sabia que os bailarinos [da Cisne Negro] trabalham com sapatilhas de ponta, resolvi usar. Mas trabalhei mais com a intuição, não tinha planos prévios", diz Lazar, que nunca tinha vindo ao Brasil.

O desconhecido, somado ao pouco tempo de trabalho -a coreografia foi montada em duas semanas- permitiu ao coreógrafo mergulhar numa criação intuitiva e nadar de braçada num mundo quase mágico de relações. Não só com os jovens bailarinos e as cores e formas de um país novo, mas na própria concepção coreográfica, em que casais se formam e se transformam em movimentos lânguidos.

"Surgiu um balé sobre as breves relações entre casais e como, em um par, cada um interfere no outro. Criei um mundo quase visionário,quase perfeito e em unidade, onde há uma espécie de esperança", diz Lazar, que voltou ao Brasil para a estreia.

Tanta esperança pode parecer algo ingênuo neste 2024, mas Lazar é consciente de que nem tudo são amores e cores alegres. Percebeu de cara, por exemplo, as desigualdades deste país, quando saiu do hotel que estava hospedado.

Para ele, são dois mundos possíveis. A felicidade clássica de pas-de-deux etéreos e amorosos e a gravidade do mundo real. Os dois lados estão contemplados no programa.

Enquanto "Instar" bailarinos e público passeiam pelas nuvens, "Passion", coreografia da dinamarquesa Edith Buttingsrud Pedersen, é o peso da gravidade.

Inspirada pela "Paixão segundo G.H." de Clarice Lispector, os bailarinos em collants brancos, que vestem e despem ternos pretos, se arrastam pelo chão. Corpos tremem, se contorcem, são carregados pelo palco. A expansão de "Instar" aqui se comprime na introspecção e angústia clariciana.

"Não foi planejado", conta Dany Bittencourt, diretora artística da Cisne Negro. Ela conta que deixa os coreógrafos convidados bem livres para a escolha do tema, e a ideia de trabalhar com o romance de Clarice veio de Pedersen.

A dinamarquesa já tinha feito um workshop com os bailarinos da Cisne Negro, por indicação de uma ex-bailarina da companhia que atualmente trabalha com dança-teatro na Europa. "Os bailarinos amaram o workshop", conta Bittencourt, que depois disso conseguiu apoio do governo dinamarquês para trazer Pedersen de volta para criar a nova coreografia.

Como em "Instar", a criação de "Passion" foi feita em duas semanas. Os bailarinos lerem e discutiram a obra de Clarice enquanto ensaiavam. Os espectadores também poderam ouvir as palavras do romance antes de serem transformadas em movimento. Enquanto o público entra no teatro, bailarinos imóveis declamam trechos de "A Paixão segundo G.H.".

"Os dois espetáculos falam do humano, sob pontos de vista diferentes. Há a interação com outro e a dissolução do ego", diz Bittencourt. Do ponto de vista técnico, as duas obras exigem movimentos e corpos muito diferentes entre si. Mas, segundo a diretora da Cisne Negro, eles circulam muito bem entre as duas obras, o que também mostra a diversidade criativa da companhia.

Criada por Hulda Bittencourt, que morreu em 2021, aos 87 anos, a Cisne Negro se aproxima dos 47 anos de existência - algo notável para uma companhia privada de dança no Brasil. Dany, filha de Hulda, assumiu a direção artística e tomou para si a missão de manter o legado da Cisne.

Desde então, enfrentou as adversidades de praxe da dança brasileira. Além das dificuldades de financiamento e espaço, a companhia teve de mudar de sede, procurar novos teatros para sua tradicional apresentação do "Quebra-Nozes", a principal fonte de renda por venda de ingressos da Cisne Negro que, por 30 anos, foi apresentada na época do Natal no teatro Alfa, agora fechado.

Nesse meio tempo, a atual diretora sofreu um acidente. Mas a companhia continuou ativa e criativa. No final de "Passion", os bailarinos como que espantam o peso das coisas com uma espécie de sessão de descarrego coreográfica. Pode não ser a leveza sonhada por "Instar", mas é como um desafio à gravidade sem tirar os pés do chão. É a vida.

INSTAR E PASSION

Quando Sáb., às 20h; dom., às 18h. 25 e 26/5

Onde Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo

Preço R$ 50

Classificação 16 anos


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