Na pandemia, mudanças para trabalhador incluem redução de salário e antecipação de férias
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A crise provocada pelo coronavírus no país pode ampliar o número de pessoas com queda brusca na renda nas próximas semanas. O motivo é que a medida provisória 936, publicada pelo governo na última quarta-feira (1º), permite aos patrões reduzir a jornada de trabalho e o salário na mesma proporção. A regra, que já está valendo, também autoriza a suspensão dos contratos sem obrigação de pagamento de salário para empresas com até R$ 4,8 milhões de faturamento em 2019. Companhias maiores devem pagar 30% do valor do salário. Para compensar as perdas, o governo irá liberar uma ajuda de custo ao trabalhador, que tem como base o valor de seguro-desemprego ao qual ele teria direito se fosse demitido. Segundo Bruno Bianco, secretário de Previdência e Trabalho, a intenção é preservar empregos no país. O patrão que utilizar uma das duas medidas deve manter o emprego do funcionário pelo dobro do período que durar a redução ou a suspensão. Se demitir, pagará uma indenização ao profissional. O acordo pode ser individual ou coletivo, o que tem gerado polêmica. "A Constituição fala que há direito à irredutibilidade do salário, a não ser por negociação com o sindicato. Parte do Judiciário entende que é preciso respeitar a Constituição e parte entende que hoje estamos vivendo uma situação de emergência sem precedente e as regras poderiam ser flexibilizadas," diz Mariza Machado, advogada trabalhista da IOB. Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, afirma que o trabalhador que receber um acordo individual com o qual não concorda pode recusá-lo. O risco é ser demitido, mas não seria por justa causa e o profissional teria direito a FGTS e seguro-desemprego. No entanto, é preciso fazer os cálculos do que é mais vantajoso para não se dar mal. Rafael Borges, do Felsberg Advogados, diz que não só o empregado deve ter cuidados, mas também o empregador que vai propor mudanças. "É preciso verificar a real necessidade dessas medidas. E tomar a cautela de fazer acordo coletivo", afirma ele. FÉRIAS E FERIADOS A medida provisória 927, de 22 de março, permite outras alterações no contrato entre patrão e empregado. Antecipar férias, mesmo que o profissional não tenha período aquisitivo, além da antecipação de feriados não religiosos também são possibilidades. Outra mudança na rotina dos trabalhadores diz respeito ao home office. A MP afirma que o patrão pode instituir o regime de trabalho a distância, em acordo direto com o empregado, e não é obrigado a arcar com os equipamentos que ele usa, nem com luz ou conta de telefone. Quando há o home office, o patrão pode deixar de pagar adicionais, como de insalubridade e periculosidade, e, se der férias, pode cortar os vales refeição e alimentação. Vale-transporte no home office não também é pago. No caso do FGTS, o trabalhador sai ainda mais prejudicado. O patrão poderá ficar sem depositar os 8% sobre o salário mensal por três meses. Depois, vai pagar os valores, mas sem juros e correções. A MP define ainda que quem pegar coronavírus no trabalho recebe auxílio-doença comum, sem estabilidade ao voltar da quarentena. SINDICATOS CRITICAM As centrais sindicais criticaram duramente as MPs. No caso da 927, que trazia artigo com a possibilidade de cortar jornada e salário, sem nenhuma contrapartida do governo, as críticas foram tantas que o presidente Jair Bolsonaro derrubou o artigo. No caso da MP 936, CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB afirmam que é preciso haver negociação coletiva em qualquer tipo de acordo que se queira fazer, ou seja, o patrão deve negociar com os sindicatos e nunca diretamente com o trabalhador. Os sindicalistas devem levar propostas aos parlamentares, mas já adiantam que, além dos acordos coletivos, vão insistir na estabilidade de 180 dias para todos os trabalhadores no pagamento de 100% do valor do salário como forma de manter o poder de compra e, consequentemente, fomentar a economia. "Desde já orientamos a todos trabalhadores a não aceitarem acordos individuais e procurarem seus sindicatos", diz nota enviada pelas centrais. Corte de jornada e salário | Seus direitos Duas medidas provisórias do governo federal alteram os direitos dos trabalhadores na pandemia de coronavírus A principal delas, a 936, permite aos patrões cortarem jornada e salário, além de suspender os contratos de trabalho Há ainda uma outra, a MP 927, que autoriza a antecipação de férias e feriados não religiosos Entenda as alterações na lei Como funciona o corte de jornada e salário Haverá uma redução proporcional nas horas de trabalho e no salário Este corte pode ser por até 90 dias O trabalhador tem direito à estabilidade pelo dobro do período em que a medida estiver em vigor Haverá ajuda compensatória do governo Quanto pode-se cortar de salário e jornada O corte poderá ser de 25%, 50% ou 70% O governo paga o mesmo percentual sobre o seguro-desemprego a que o profissional teria direito O que é a suspensão do contrato de trabalho É a interrupção total do contrato por até dois meses Neste caso, o trabalhador tem estabilidade de até quatro meses sem que seja demitido Se houver demissão, o empregador paga uma indenização Pagamento a quem tiver o contrato suspenso O patrão não é obrigado a pagar o salário nem os encargos como INSS e FGTS É possível negociar uma ajuda, que será como uma indenização Além disso, o governo vai pagar um auxílio, que será de 100% do valor a que o trabalhador teria direito de seguro-desemprego para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões Empresas maiores devem arcar com 30% do salário e o governo paga ajuda de 70% do valor do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito Quem pode ter redução de salário ou suspensão do contrato Todos os trabalhadores, incluindo empregados domésticos, funcionários de ONGs (Organizações Não Governamentais) e profissionais contratados por igrejas Quem ficou de fora da medida Servidores públicos, funcionários de empresas públicas, profissionais de áreas consideradas essenciais como saúde e segurança, por exemplo Também não entram trabalhadores que estão afastados, quem está recebendo auxílio-doença e mães que tiveram bebês e estão de licença-maternidade Como é a negociação do patrão com o empregado? Para quem ganha até R$ 3.135 ou acima de R$ 12.202,12 (e tem curso superior) o acordo poderá ser individual Quem ganha acima de R$ 3.135 até R$ 12.202,12 pode ter acordo individual, se a redução for de até 25% Se o percentual de corte for maior, é necessária negociação com o sindicato No entanto, especialistas indicam sempre tentar acordo coletivo, pois dessa forma, o profissional não poderá recusá-lo Pagamento não é seguro-desemprego O benefício a ser pago aos trabalhadores que tiverem jornada e salário reduzidos ou contratos suspensos não é o seguro-desemprego Para pagar o valor, o governo vai calcular uma média para saber quanto o trabalhador teria direito de seguro-desemprego caso fosse demitido Sobre esta média será pago o percentual correspondente à redução de jornada daquele funcionário O valor máximo que se pode receber é de R$ 1.813,03, que é 100% do seguro-desemprego Se, no futuro, o trabalhador for demitido, ele terá direito de acessar o seu seguro-desemprego normalmente Trabalhador pode não aceitar o acordo O trabalhador que não quiser o acordo individual proposto pelo patrão pode falar não Mas corre o risco de ser demitido sem justa causa Neste caso, tem direito a seguro-desemprego, FGTS e mais 40% de multa sobre o saldo do Fundo de Garantia Demissão no período de estabilidade O patrão não pode demitir o funcionário enquanto durar o período de estabilidade, que é o dobro do tempo acordado para corte de jornada e salário ou para suspensão do contrato Se demitir, pagará indenização Quantos podem ser atingidos Ao todo, 24,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada poderão ter redução de jornada e salário ou suspensão dos contratos Em contrapartida, terão estabilidade de emprego O governo estima estar protegendo 8,8 milhões de empregos Aposentado que trabalha não tem direito à ajuda do governo O aposentado que voltou ao mercado de trabalho poderá ter suspensão do contrato ou redução do salário e da jornada e, consequentemente, não poderá ser demitido No entanto, não receberá ajuda do governo, porque já recebe aposentadoria Forma de pagamento dos valores A ajuda do governo será paga na conta em que o trabalhador recebe o salário da empresa Para isso, o patrão cadastrará os acordos e indicará a conta dos funcionários atingidos por meio de plataforma online, já criada, mas que será adaptada pelo governo Trabalhador terá INSS menor ou ficará sem contribuição Os trabalhadores com jornada e salário menor terão INSS e FGTS sobre um salário reduzido Neste caso, poderão ser prejudicados na aposentadoria, por isso, será preciso complementar a contribuição Para quem tem o contrato de trabalho suspenso, o problema é maior, pois o patrão não pagará estes encargos O trabalhador terá de arcar com seu próprio INSS para não ter "buracos" nas contribuições Auxílio-doença é mantido para quem tem qualidade de segurado O trabalhador que estiver com contrato suspenso e ainda mantiver a qualidade de segurado terá direito ao auxílio-doença caso precise Benefícios devem ser pagos, mas adicionais podem ser cortados Benefícios como plano de saúde e vales alimentação e refeição devem continuar sendo pagos em qualquer situação Quem está em home office não recebe vale-transporte nem adicionais de periculosidade e insalubridade, entre outros O vale-refeição pode ser cortado nos casos dos trabalhadores que são colocados em férias Comissões ficam de fora do acordo e salário pode cair mais A redução do salário pode ser ainda maior para trabalhadores que recebem salário-base mais comissão Isso porque o patrão pode cortar as comissões, como no caso dos vendedores, que recebem por vendas, e negociar redução de jornada e salário apenas sobre o salário-base Apenas nos casos em que o comissionamento integra o salário final o cálculo da redução é sobre toda a remuneração habitual Trabalhador CLT que também tem CNPJ recebe auxílio Os trabalhadores celetistas, mas que têm alguma empresa aberta em seu nome podem entrar no programa de redução de jornada e salário Neste caso, também recebem ajuda do governo Fontes: medida provisória 936, CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Constituição Federal, Bruno Bianco, secretário de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, Rafael Borges, advogado trabalhista do Felsberg Advogados, Mariza Machado, advogada trabalhista e analista da IOB, Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogado, Letícia Ribeiro, sócia e líder do grupo Trabalhista do Trench Rossi Watanabe, e Larissa Salgado, sócia do escritório Silveiro Advogados, especialista em direito do trabalho
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