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Veto a celular em escolas no Rio demandou 'desmame' de telas e convencimento de pais

Por Folha de São Paulo

25/01/2025 9h45 — em
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O ano letivo de 2024 no Rio de Janeiro, o primeiro em que vigorou a lei municipal que proíbe o uso de celular em ambiente escolar, teve mais interação entre as crianças e melhor desempenho escolar, segundo a prefeitura, mas também tentativas de burlar a regra e alunos que precisaram de ajuda para superar o vício em telas.

A norma decretada pela gestão Eduardo Paes (PSD) proíbe o uso de celular também nos intervalos, assim como deve acontecer em escolas públicas e privadas de todo o país a partir deste ano, de acordo com a lei federal sancionada pelo presidente Lula (PT) no último dia 13. A medida vale para todas as etapas da educação básica, da educação infantil ao ensino médio.

Em São Paulo, a restrição também está prevista em lei estadual que também passa a valer em 2025. A forma de implantação está sendo discutida na rede antes da volta às aulas, em fevereiro.

No Rio, responsáveis pelos alunos precisaram passar por um processo de convencimento, através de reuniões.

Lorhane Abraão, 27, mãe de duas crianças de 5 e 9 anos, diz que as filhas não levam celular à escola, mas que gostaria de entrar em contato com elas.

No ano passado, sua filha mais velha afirmou ter sido vítima de ofensas racistas pela professora de uma escola onde estudava. A servidora chegou a ser presa em flagrante e afastada pela prefeitura. Lorhane ficou sabendo do caso porque sua sobrinha de 11 anos, aluna da mesma escola, buscou o celular para contar o que havia ocorrido.

"Nesse caso o celular foi importante, através dele eu fiquei sabendo da história e pude ir lá pessoalmente, já com a polícia", afirma Lorhane.

No GET (Ginásio Experimental Tecnológico) Elza Soares, no Rocha, zona norte do Rio, Elidia Maria Rodrigues Correia administra a escola com 362 alunos de 6 anos a 11 anos. A diretora reformulou regras à moda antiga.

"Se os pais querem avisar aos filhos, por exemplo, que quem vai buscá-los é a avó, anotamos e damos o recado. Eles começaram a ver que isso funciona e que não precisa trazer o celular para se comunicar com as crianças", afirma.

"Muitos traziam crianças com celular e ligavam para elas no horário da aula. Eu os convenci de que muitas vezes estávamos no meio de uma explicação e isso acabava com a atenção de todos. Foi preciso ensinar alunos e comunidade."

A regra das escolas municipais do Rio prevê que os celulares e outros dispositivos eletrônicos devem ser guardados nas mochilas, desligados ou em modo silencioso. Algumas preferem recolher os aparelhos e guardá-los dentro de armários e caixas na sala da direção, devolvendo-os ao fim do dia.

O uso dos celulares é permitido antes da primeira aula do dia ou após a última. Em ambos os casos, isso só pode ocorrer fora da sala de aula.

Usar o aparelho também é possível em situações em há algum evento atípico na cidade, como um temporal, ou quando a escola aciona o protocolo de segurança e suspende as aulas, em casos de tiroteios. Gestores também devem liberar o aparelho quando o aluno precisa ligar para a família por algum motivo particular urgente.

Alunos com deficiência ou condições de saúde que precisam dos dispositivos não estão incluídos na regra. Também há momentos de aprendizado através da tecnologia, e o uso é feito sob orientação.

Renan Ferreirinha (PSD-RJ), secretário municipal de Educação e deputado licenciado, afirma que a ideia da restrição ao celular surgiu em diálogos com outros secretários pelo mundo e com a percepção de que, após a pandemia, estudantes voltaram às escolas desatentos e com crises de ansiedade.

Após o decreto, segundo ele, o desempenho dos alunos e o ambiente escolar melhoraram.

"A gente teve menos incidentes de bullying e relatos dos diretores dizendo que as escolas voltaram a ficar barulhentas. Os recreios ficaram mais movimentados porque as crianças e adolescentes voltaram a participar da vida escolar."

A rede municipal tem cerca de 650 mil matriculados. Administra creches e 1.557 escolas que atendem do 1º ano ao 9º ano do ensino fundamental. A faixa etária dos adolescentes, a partir dos 12 anos, é o maior desafio à proibição, pois são o grupo de uso mais frequente de celular.

Professores afirmam que houve casos de aparente vício em telas, em que alunos se mostraram irritados e agressivos pela falta do aparelho. A saída, segundo os docentes, foi adaptá-los à regra aos poucos, num processo de desmame.

"Encontramos situação de adição no uso de joguinhos, redes sociais. O primeiro bimestre de 2024 foi de adaptação. Isso ainda acontece, mas temos algo consolidado porque eles já sabem qual é a regra vigente", afirma Ferreirinha.

Também há tentativas de burlar a regra, com o celular escondido sob as mangas de um agasalho ou dentro de mochilas abertas, com pouco brilho na tela para não ser flagrado.

Nessas situações, a orientação é que professores modulem a reação, começando pelo diálogo com o aluno e o responsável até a advertência por escrito, em caso de reincidência.

A professora Bárbara Sinedino, representante do Sepe-Rio (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) concorda que o uso abusivo é um problema, mas diz que há contradições na regra, já que o uso da tecnologia é estimulado aos professores para ministrar as aulas.

"Nós, professores e funcionários usamos muito o telefone, então é completamente irreal dizer que os alunos não podem usar seus aparelhos sem uma política para debater o desinteresse escolar."

A secretaria de Educação diz que o objetivo do decreto é desenvolver a conexão dos alunos com a escola e professores. Para o próximo ano letivo, que começa no dia 5 de fevereiro, a pasta prevê lançar um projeto para desestimular o uso de celular também fora do ambiente escolar.


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