Sul-coreanos planejam primeiro lançamento orbital da história do Brasil
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Está marcado para o próximo dia 22, sábado, às 15h, o que pode vir a ser o primeiro lançamento de satélites à órbita terrestre feito a partir do território brasileiro.
O lançador é o foguete Hanbit-Nano, da empresa sul-coreana Innospace, uma das muitas startups espalhadas pelo mundo voltadas ao desenvolvimento de veículos de pequeno porte. O voo ocorre a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, instalação operada pela Força Aérea Brasileira (FAB) que serve como principal plataforma para lançamentos espaciais no país.
Foi lá que aconteceram as três tentativas de lançamento do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), em 1997, 1999 e 2003 -todas malogradas, a última delas antes mesmo da decolagem, com um incêndio catastrófico que matou 21 técnicos e engenheiros do programa espacial brasileiro e acabou dando fim prematuro ao projeto.
Desde então, o CLA só tem servido a lançamentos suborbitais, principalmente com o foguete de sondagem VSB-30, desenvolvido pelo IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) em parceria com a DLR (agência espacial alemã). O último lançamento desse veículo em Alcântara aconteceu em 2022, embora o veículo também sirva a missões realizadas a partir do centro Espacial de Esrange, na Suécia, a última delas conduzida no ano passado.
ALCÂNTARA VOLTA AO JOGO
Há praticamente duas décadas o governo brasileiro vem tentando acabar com a subutilização do centro de lançamento maranhense, em meio a conflitos territoriais com quilombolas e parcerias malfadadas com entes estrangeiros.
A mais notável dessas tentativas fracassadas foi o projeto brasileiro-ucraniano que criou a empresa binacional Alcântara Cyclone Space, destinada a lançar o foguete Cyclone 4 (versão atualizada de antigo míssil balístico da era soviética herdado pelos ucranianos) a partir do centro brasileiro. O acordo foi feito em 2003, a empresa foi capitalizada em 2006 e o negócio foi desfeito em 2015. Do lado brasileiro, o gasto foi de cerca de R$ 500 milhões. Nunca saiu disso foguete ou plataforma de lançamento operacional.
A partir de 2020, o governo decidiu partir para outro modelo de negócio e arrendar a infraestrutura de Alcântara para empresas estrangeiras interessadas. No ano seguinte, quatro foram selecionadas pela AEB (Agência Espacial Brasileira): a canadense C6 Launch e as americanas Hyperion, Orion AST e Virgin Orbit. Nenhuma delas vingou. A eventual desistência da Hyperion abriu espaço para uma nova concorrente, e foi nessa vaga que entrou a sul-coreana Innospace.
Em 19 de maio de 2023, a companhia lançou um foguete suborbital precursor a partir de Alcântara, o Hanbit-TLV -essencialmente o primeiro estágio do que viria a ser o Hanbit-Nano. Foi a primeira operação da iniciativa privada realizada no centro, com supervisão e participação da FAB. Graças ao sucesso, chegou agora a hora de tentar realizar finalmente o primeiro lançamento à órbita terrestre feito a partir do Brasil.
VANTAGENS EQUATORIAIS
Como o centro de lançamento mais próximo da linha do equador (2,3 graus Sul) em todo o mundo, o CLA potencializa o desempenho dos foguetes. Resumidamente, quanto mais perto do equador, mais velocidade inicial vinda da rotação da Terra um foguete ganha no lançamento, o que automaticamente exige menos combustível para atingir a velocidade requerida de cerca de 27 mil km/h para colocar um satélite em órbita.
A vantagem é especialmente notável para foguetes de pequeno porte, em que qualquer ganho é significativo. Valia para o antigo VLS e vale também para o Hanbit-Nano, que tem 21,8 m de altura distribuídos em dois estágios e capacidades comparáveis aos do antigo (e abortado) lançador brasileiro (com seus 19,5 m e quatro estágios): a partir do CLA, o Hanbit-Nano pode colocar até 90 kg em uma órbita sol-síncrona (sobrevoando a mesma região sempre à mesma hora do dia) a uma altitude de cerca de 500 km.
O VLS, em tese, poderia levar um pouco mais, cerca de 300 kg -mas foi desenvolvido numa época em que poucos satélites pesavam muito menos que isso. Há um forte contraste com o momento atual, em que a miniaturização tornou muitos satélites extremamente compactos e leves.
PRIMEIRO LANÇAMENTO
Em seu voo inaugural, no próximo dia 22, a missão Spaceward do Hanbit-Nano levará oito cargas úteis, desenvolvidas por entidades do Brasil e da Índia, com massa somada de cerca de 22 kg. Se tudo correr bem, elas devem ser colocadas em uma órbita terrestre baixa com 300 km de altitude e inclinação de 40 graus.
Entre os satélites embarcados estão o Pion-BR2 e o Jussara-K, projetos da Universidade Federal do Maranhão, e a dupla FloripaSat-2A e 2B, da Universidade Federal de Santa Catarina. Ainda voam a bordo um sistema de navegação inercial desenvolvido a pedido da AEB e mais duas cargas úteis contratadas pela empresa CLC (Castro Leite Consultoria), além de um módulo de comunicações Solaras-S2, desenvolvido pela empresa indiana Grahaa Space.
A FAB, que coordena com a equipe sul-coreana o lançamento, planeja o voo para as 15h, mas o horário e dia podem variar de acordo com as condições meteorológicas no dia 22. A janela programada para a Operação Spaceward vai até o dia 28. Caso tudo corra bem, será o primeiro lançamento orbital feito do solo brasileiro, o primeiro lançamento comercial orbital feito no Brasil e o primeiro lançamento comercial feito por uma empresa sul-coreana.
"Esta missão de lançamento espacial será um primeiro passo importante para a Innospace entrar na fase de comercialização com sua própria tecnologia e demonstrar sua competitividade e potencial no mercado global de lançamentos comerciais", disse em nota Kim Soo-jong, CEO da Innospace.
A perspectiva brasileira vai na mesma direção. "A Operação Spaceward marca o primeiro lançamento comercial realizado a partir do território nacional e simboliza a entrada definitiva do país no mercado global de lançamentos espaciais", diz o tenente-brigadeiro Ricardo Augusto Fonseca Neubert, diretor-geral do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial).
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