Sobreviventes de dengue grave relatam drama vivido por diagnóstico correto e tratamento
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os seis meses que sucederam a dengue grave foram de enfrentamento das consequências da doença para a analista de dados e fotógrafa Gabriela Oliveira Santos, 26, moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Os sintomas começaram no dia 15 de junho do ano passado. Primeiro, uma dor de cabeça forte que foi associada à enxaqueca. Por conta própria, Santos tomou alguns medicamentos contraindicados para pacientes com dengue, como Dorflex e ibuprofeno.
Dois dias depois, na segunda-feira, a sensação era semelhante à de rinite ou sinusite. Após ingerir outros remédios, veio a dor no corpo -muito forte na clavícula- e a febre de mais de 40 graus.
"Eu até falei que achava que estava com dengue, porque no começo de junho o meu pai, que mora embaixo da minha casa, teve a doença. Nos primeiros três dias ele ficou ruim, depois melhorou aos poucos. Imaginei que havia foco do mosquito aqui perto", conta a analista.
"Comecei a passar muito mal. Delirei por causa da febre alta. Fiquei toda vermelha e empolada. Senti uma dor insuportável na cabeça, no corpo, nas juntas. Até a chuquinha do cabelo me machucava. Fui a um hospital em Guarulhos. Eu gritei de dor até a madrugada de terça, quando voltei para casa", relata.
Nos dias seguintes, Santos piorou. Além do vômito com sangue, ficou sem força para movimentos simples, como o de colocar óculos.
Gabriela voltou ao hospital. A médica que a atendeu disse que não era nada grave e deu alta. Um sangramento no nariz e na gengiva a fez procurar o hospital novamente.
"A médica falou que não era dengue grave, que era para eu ir para casa e só voltar se piorasse. Não voltei porque o meu esposo e a minha irmã brigaram para me internarem. As minhas plaquetas estavam alteradas. Havia mais de uma semana que eu não comia e nem bebia água. Enfim, depois os médicos viram que de fato era dengue grave. Deu alteração nas enzimas do fígado, do pâncreas e nos rins", diz a analista.
"Até dezembro o meu cabelo caiu muito, tive problema com vitaminas, minha imunidade baixou e peguei pneumonia. Em seis meses, foram muitas idas e vindas ao médico -até agosto era toda semana. Só agora estou melhor. Eu quase morri por causa da dengue", afirma.
A doença também a obrigou a interromper um tratamento psiquiátrico por causa da alteração no fígado. Ela só foi liberada a retomá-lo agora.
Gabriela não tem comorbidades e nem havia tido a doença antes, o que contribui para a dengue se tornar grave, segundo especialistas.
"Comecei a olhar com mais atenção ao redor da minha casa. Como tenho cachorro, comecei a ficar mais atenta para o pratinho dele. Comecei a olhar na vizinhança também. É uma coisa que a gente não imagina que vai acontecer. Então, quando você fica assim, com risco de morte , começa a olhar com mais atenção para a própria casa."
O estudante Nicolas Vodopives, 17, permaneceu internado durante oito dias por causa da dengue.
Nas duas vezes em que esteve num serviço de saúde privado não foi submetido a exames. Saiu medicado, mas sem saber o que tinha. O diagnóstico de dengue ocorreu num hospital público de Paulínia, cidade onde mora, no interior paulista.
Nicolas foi infectado em maio de 2024. Os primeiros sintomas foram dores intensas no corpo, na cabeça e atrás dos olhos, além de prostração. "Achei que estava com resfriado forte", diz.
"Na segunda-feira, não consegui ir para escola. Na terça, procurei um hospital particular. O médico não demonstrou que eu estava com dengue. Ele só me deu alguns remédios para tomar em casa e recomendou hidratação. Na quarta, voltei ao local porque passei muito mal. Comecei a vomitar um líquido escuro e piorei. Só me deram medicamento na veia. À noite, fui ao hospital municipal. Coletaram exames e disseram que eu teria que internar", conta o estudante.
A médica o alertou para o risco de desenvolver problema cardíaco provocado pela dengue. Nicolas não sabe o que pode ter provocado um quadro tão intenso da doença. Além de jovem, é saudável, sem comorbidades.
Na manhã do dia seguinte, Nicolas foi internado num centro de saúde privado. "Fui internado numa quinta-feira. O sábado seguinte foi o meu pior dia, porque muitas pessoas estavam falando que se começasse a ter algum tipo de sangramento já era uma coisa mais grave. E começou a sair sangue do nariz naquele dia, eu vomitei mais, estava com muita dor de cabeça e febre", relata.
Segundo o estudante, os primeiros sintomas surgiram após visitar um parque municipal em Paulínia e a comemoração do aniversário na capital paulista. "No parque eu demorei para passar o repelente."
Paulo Abrão, presidente da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia) e professor de infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirmam que o diagnóstico tardio da dengue pode agravar a doença.
"A demora não significa que seja uma falha do serviço de saúde. Às vezes, os sintomas são inespecíficos. É claro que se você está em alerta, num momento de chuvas e há um aumento de casos, você vai suspeitar de dengue. O profissional de saúde faz uma avaliação do caso. Existem critérios que ele tem que avaliar e também fazer o teste rápido", afirma Abrão.
"É fundamental ensinar para as pessoas como se faz a autogestão da saúde. Ela precisa entender que deve voltar ao serviço de saúde e pressionar se perceber que não houve melhora", completa o presidente da SPI.
Segundo Evaldo Stanislau, como a doença perdeu um pouco da característica da sazonalidade, pode ocorrer o ano inteiro. Desta forma, médicos e serviços de saúde devem estar atentos e treinados para os períodos de aumento de casos.
"Um fator primordial para lidarmos com a dengue é pensar em dengue. Salva vidas. O diagnóstico tardio é decisivo porque quando o paciente chega em uma fase de dengue grave já instalada é igual a um trem descarrilhado. Se ele estiver com choque, a chance de morrer é muito elevada. Quanto antes pensarmos em dengue e iniciarmos a hidratação, mais rapidamente conseguiremos evitar essa progressão", diz Araújo.
"A resposta do organismo frente ao vírus da dengue libera substâncias químicas chamadas citocinas, que podem desregular uma série de mecanismos normais e levar a um aumento da permeabilidade dos nossos vasos, com extravasamento de líquido de dentro dos vasos para fora, ocasionando uma hemoconcentração, alterações na pressão e com repercussões sistêmicas em vários órgãos, levando ao choque. E isso é muito rápido. O paciente pode estar bem de manhã e morto à tarde", explica Araújo.
O infectologista orienta a exigir a prova do laço, principalmente se for idoso, doente crônico, imunossuprimido ou de outro grupo de risco.
"Você pega o aparelho que mede a pressão, vai mantê-lo insuflado e desenhar um quadradinho no antebraço do paciente. Observe se no quadradinho aparecem manchas vermelhas. Se for positivo, é sinal que você tem um começo de aumento da permeabilidade", ressalta Araújo.
Em 7 de março de 2016, o controlador de acesso Wilson Dias Neto, 35, de Santo André, no ABC, começou a apresentar febre alta (38 graus) e frio. Imaginou que fosse um resfriado causado pelo ar-condicionado, mas após quatro dias a temperatura passou dos 40 graus, apareceram as dores no corpo, nas articulações e no fundo dos olhos.
Neto foi ao posto de saúde no dia 17. Saiu com uma receita de dipirona e a orientação de ir ao pronto-socorro devido à suspeita de dengue.
Mesmo recebendo hidratação por mais de uma semana, a dengue se agravou. Surgiram manchas vermelhas pelo corpo e um sangramento no nariz e na boca.
"O médico disse que eu teria que receber soro duas vezes ao dia. Eu acordava de manhã e dava graças a Deus que estava vivo. Ia dormir à noite e agradecia pelo dia vivido. Emagreci 28 quilos porque estava sem apetite e não conseguia comer", conta.
A jornada dupla diária de hidratação no hospital durou 40 dias. Quando melhorou, terminou o tratamento em casa. Em novembro do mesmo ano, Neto pegou a doença novamente, mas a recuperação foi mais fácil.
Quem apresentar febre alta (38°C a 40°C) de início repentino e pelo menos duas manifestações -- dor de cabeça, prostração, dores musculares e/ou articulares e dor atrás nos olhos-- deve procurar uma unidade de saúde.
Passada a fase crítica, a maioria se recupera. Em alguns casos, a doença pode progredir para formas graves e óbito.
Os sinais de alarme para a gravidade são dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos em cavidades corporais (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico),
Hipotensão postural (queda da pressão arterial ao levantar-se da posição sentada ou deitada), sensação de desmaio, letargia e/ou irritabilidade, aumento do tamanho do fígado, sangramento de mucosa e
aumento progressivo do hematócrito.

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