Rios poluídos expõem 'ilha de limpeza' em praia da baía de Guanabara
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Yure Braga, 22, foi contratado há três meses para dar aula numa rede de futevôlei na praia do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. Tornou-se mais um dos inúmeros professores para atender à proliferação de alunos de esportes nas areias desde a melhoria da qualidade da água deste trecho da orla da baía de Guanabara.
Com o emprego, ele se mudou para o Rio Comprido, na região central da capital. Deixou a casa dos pais no Pantanal, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, bairro às margens do poluído rio Sarapuí, afluente do rio Iguaçu, que deságua na baía, a alguns quilômetros da mesma praia do Flamengo.
"Quem olha nem acredita que é a mesma água", diz Yure, que vai à casa dos pais todo fim de semana.
O estado do rio Sarapuí, muito ruim segundo monitoramento feito pelo CBHBG (Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara), é o mesmo desde o início da concessão de saneamento básico do Rio de Janeiro, em agosto de 2021. Assim como ele, nenhum outro rio da região metropolitana do Rio de Janeiro teve alteração significativa na qualidade de sua água no período.
Os dados apontam que a melhora da qualidade da água na praia do Flamengo é uma exceção comparada à estagnação verificada em 46 pontos de monitoramento na bacia hidrográfica.
O esgoto lançado nesses rios é a principal origem da poluição da baía de Guanabara, cuja promessa de limpeza remonta há 40 anos e foi renovada com a concessão.
O cenário é resultado do atraso no início das obras de construção dos chamados coletores de tempo seco, estruturas que desviariam o esgoto atualmente lançado no rios para estações de tratamento.
O edital de concessão previa prazo de um ano para aprovação dos projetos pela Agenersa (agência reguladora do setor) e conclusão das obras em agosto de 2026, cinco anos após a assinatura do contrato.
Contudo, três anos depois do início da concessão, a agência não concluiu até hoje a análise dos projetos. A Águas do Rio, responsável pelas obras, previu nos documentos enviados ao órgão a conclusão das obras apenas cinco anos contados a partir da aprovação. Por esse critério, o atraso será ao menos de dois anos.
Em nota, o Governo do Rio de Janeiro afirmou que os coletores de tempo seco "deverão ser implementados nos cinco primeiros anos de operação da concessão e, no caso de descumprimento do prazo, deverá ser analisado o cabimento de penalidades".
A Águas do Rio disse que está em processo avançado de discussão com a Agenersa sobre o detalhamento técnico dos projetos executivos.
A concessionária afirmou também que já adiantou parte das obras, como a instalação de coletores na Ilha do Governador e em dois bairros de Mesquita. Declarou ainda que prevê o início de intervenções em Nilopólis e Nova Iguaçu no ano que vem.
A empresa informou já ter investido, até outubro, R$ 122 milhões com as estruturas. O valor representa menos de 5% do total de R$ 2,7 bilhões previstos para a despoluição da baía.
A Agenersa afirma o processo de avaliação dos projetos executivos é complexo e está em curso, com o objetivo de "garantir que os projetos estejam de acordo com as diretrizes contratuais e os requisitos técnicos estabelecidos".
"Em relação à Águas do Rio, a Agenersa avaliou dentro do prazo os projetos, tendo solicitado adequações técnicas. Atualmente, as respostas da concessionária estão sendo analisadas pela equipe técnica da Câmara de Saneamento com apoio do Certificador Independente (Fipe), para verificar a conformidade das adequações solicitadas", disse a agência, em nota.
Dados do CBHBG mostram que a média do IQA (índice de qualidade da água) de 22 pontos de monitoramento na região oeste na baía (onde ficam o Rio de Janeiro e cidades da Baixada Fluminense) se manteve entre 35 e 43, de outubro de 2021 a setembro de 2024, numa escala que vai de 0 a 100. O resultado é considerado ruim.
Nesta área, os piores resultados foram registrados nos rios Acari, Sarapuí e Botas, todos com médias muito ruins (entre 0 e 25).
Na região leste, área em que quase todos os 23 pontos de monitoramento estão sob influência da APA (Área de Proteção Ambiental) Guapimirim, o IQA manteve-se entre 52 e 67, sendo considerada de qualidade média.
Presidente da CBHBG, a geógrafa Rejany Ferreira afirma que a despoluição da baía de Guanabara não vai ocorrer sem a limpeza dos rios de sua bacia hidrográfica.
"O esgoto continua chegando, deixando os rios extremamente poluídos. Para nós, enquanto comitê, é essencial que eles sejam despoluídos. A sensação é que a Agenersa ainda está se estruturando, se organizando para olhar para esse processo", disse ela.
A manutenção da qualidade ruim na região oeste contrasta com a melhoria na balneabilidade da praia do Flamengo, principal bandeira de marketing da Águas do Rio no início da concessão. A orla que de 2015 a 2019 esteve própria para banho em apenas 13% das medições, aumentou seu índice para 80% este ano --índice próximo à praia de Ipanema (86%).
A melhora ocorreu em razão do desvio do rio Carioca, que permanece poluído, para o emissário submarino, onde é despejado ainda com esgoto no oceano, a 4 km da orla de Ipanema.
O engenheiro José Paulo de Azevedo, professor da Coppe/UFRJ e membro do CBHBG, afirma que a despoluição para a baía de Guanabara ainda vai demorar.
"A Águas do Rio foi muito eficiente em termos de mostrar serviço. Mas essas soluções mágicas são o maior problema. Se dá uma promessa de despoluição em pouco tempo que não é real. A estratégia da Águas do Rio é ir ganhando eficiência e marketing. Mas ela tem metas que devem ser cumpridas", disse ele.
As águas do interior da baía vêm apresentando melhora discreta. Em 2023, 1 dos 20 pontos de monitoramento voltou a se classificar com boa qualidade, o que não ocorria desde 2016. Além dos rios, o resultado também tem forte influência das águas do oceano, que invadem a baía.

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