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Paraty tenta sobreviver sem os turistas e as 'tendas de Rock in Rio' da Flip

Por Folha de São Paulo

05/12/2021 10h03 — em
Variedades



PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - José da Silva Pacheco não quer se gabar, mas você sabia que Hollywood escolheu aquela ilha ali, aquela mesma que ele indica com o dedo, para gravar uma cena da saga vampirinha "Crepúsculo"?

Pois é, Paraty tem dessas coisas, explica o guia de 63 anos, 40 deles passados na cidade fluminense que empilha chamarizes turísticos. Um dos principais, a Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, está acontecendo agora mesmo. Mas tanto faz para Pacheco.

Em anos passados, o evento turbinou contas bancárias paratienses. A pré-pandêmica edição de 2019, por exemplo, computou cerca de 450 contratações de prestadores de serviço, diretas ou indiretas -fora o incremento nas receitas de comerciantes locais, como a venda exponencializada dos pastéis de 30 centímetros do Pastelloni, um clássico daquelas bandas.

A crise da Covid-19, contudo, forçou a organização do evento a aderir ao formato virtual em 2021. Outras iscas turísticas do município, como o Bourbon Festival Paraty, de jazz, e o Festival da Cachaça, também desistiram do modelo presencial.

Assim não tem microempresário que aguente. O Paraty 33, mais conhecido pico de música ao vivo da cidade, foi um entre tantos comércios que fechou. Paraty era uma festa. "Não é mais", diz Pacheco. "Parou tudo. Foi auxílio emergencial para todo mundo."

Ele incluso. Hoje este senhor de feições que lembram as do general Augusto Heleno, o ministro de Jair Bolsonaro, sonha em voltar a trabalhar com pousadas. Era vigia noturno em uma, mas foi demitido durante a crise sanitária e econômica.

Por ora, Pacheco arregimenta turistas, "que graças a Deus começaram a voltar", para passeios como o da escuna que margeia a praia onde gravou, em 2010, a equipe do blockbuster de vampiros. Nada que "esse povo da Flip" curta muito, diz com uma risada o guia turístico.

O tour marítimo ainda passaria por uma ilha onde o empresário Cláudio Lorenzetti, que deu seu nome à marca de duchas, tem mansão, segundo o artista responsável pela música ao vivo no veleiro. "Quem nunca teve um [chuveiro] Lorenzetti em casa?", diz ele.

Com o grunge Kurt Cobain estampado na camisa, o músico continua dedilhando a parte instrumental da mais famosa música de Vitor Kley ("ô, Sol/ vê se enriquece a minha melanina/ só você me faz sorrir") quando fornece mais uma informação que considera relevante sobre aquelas terras caiçaras.

Foi bem ali que caiu, em 2017, o avião com o ministro do Supremo Tribunal Federal que tinha assumido a relatoria da Lava Jato na corte. "Teori Zavascki foi um dos responsáveis por descobrir os culpados", diz, sem se aprofundar no tema.

A agitação na cidade, naquele sábado de abertura da Flip, era o jogo entre Palmeiras e Flamengo, que terminaria com a derrota do time fluminense.

DJ Djahra, 36, neste ano está fazendo bico servindo moquecas num restaurante do centro histórico de Paraty. Da janela dá para ver o terreno que costumava abrigar os auditórios montados para receber autores e plateia.

"Tinha as tendas grandonas, que nem o Rock in Rio", conta, mirando o horizonte vazio. Também livres estão suas noites, desde que parou de tocar world music no agora fechado Paraty 33. "Estou aposentado, desanimei."

A estudante Marina dos Santos, 23, também se deixou abater. Viveu "um momento mágico" na Flip de 2019, com um ingresso descolado de última hora para assistir a uma mesa que teve Zé Celso pedindo vinho à plateia antes de puxar uma ciranda.

Prometeu para si mesma nunca mais perder uma edição da feira literária. Mas havia uma pandemia na esquina. Com a Flip de 2020 cancelando os encontros ao vivo, quis "sentir os ares de Paraty" neste ano, mesmo sabendo que os debates seriam todos virtuais.

De presencial mesmo, só houve uma cerimônia guarani no primeiro dia do evento, 27 de novembro, o mesmo da partida de futebol que lotou bares das redondezas. A flamenguista Marina bebeu seis chopes para superar o 2 a 1 sobre seu time. "É derrota atrás de derrota."

Quer estar na Flip do ano que vem, prevista para novembro. Espera que sem máscara no rosto, com vacina no braço e lendo sobre a pandemia como se ela fosse página virada. "Eu amo literatura, mas Flip só online não é tão legal, né?" Faltou a ciranda.


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