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Objeto de ação no STF, lei de patentes causa divergência entre farmacêuticas

Por Folha de São Paulo

25/02/2021 19h04 — em
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O parágrafo único do artigo 40 da lei de propriedade intelectual (lei 9.279, de 1996) está no centro de uma discussão que deve ser julgada nos próximos meses no STF (Supremo Tribunal Federal). Seu texto aumenta a vigência de patentes que, após apresentadas, demoraram a ser concedidas pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

Segundo o artigo, as patentes de invenção duram 20 anos --valor considerado padrão internacionalmente--, contando a partir do depósito da mesma, ou seja, do momento em que ela é apresentada ao Inpi. Caso o instituto demore mais de dez anos para a concessão, o detentor da patente ganha um tempo de "bônus" de exclusividade do objeto.

Para grandes indústrias, como Bayer, GSK, Pfizer, MSD e Roche, representadas pela Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), a questão central é que o parágrafo único deveria funcionar como uma exceção, mas virou regra.

"Não nos interessa usar o parágrafo único continuamente porque a ciência anda muito mais rapidamente do que o período de concessão", diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente-executiva da Interfarma. "O nosso interesse é ter uma patente concedida entre quatro e seis anos."

Uma auditoria recente do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que a realidade está bem distante disso. A análise do órgão observou que, para fármacos, há uma demora média de 13 anos para conclusão da análise de patente. Por causa do atraso, a exploração exclusiva do remédio dura, em média, 23 anos.

Segundo os achados da auditoria, de 2008 a 2014 quase todos os pedidos concedidos de patentes de fármacos "tiveram a extensão para além dos 20 anos, com o agravante do aumento do número [de patentes] que teve prolongamento maior que três anos".

A análise aponta o pico desse processo em 2018, quando foram concedidas 254 patentes com até três anos de extensão, 286 com quatro a seis anos a mais de exclusividade e 68 com sete a nove anos a mais de "bônus" pela demora. Segundo o documento, "o aumento verificado relaciona-se diretamente com o crescimento do backlog de pedidos", expressão que se refere, de forma geral, ao atraso e represamento das análises.

Com isso, uma parte da indústria defende que, resolvendo o atraso de apreciação, resolve-se a questão do parágrafo único. Um esforço para haver mais celeridade no processo tem sido feito com algum grau de sucesso, segundo entes industriais e até mesmo de acordo com a auditoria do TCU.

Há, porém, entidades que defendem a revogação do parágrafo. Esse lado ganhou, em 2017, o reforço de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, que entrou com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) visando o fim do texto.

A ação aponta que a sociedade não pode pagar pela demora do Inpi na análise dos processos e que os requerentes de patentes já têm outras proteções, como o artigo 44 da mesma lei, que determina o direito à indenização por exploração indevida do objeto da patente entre o pedido e a concessão. Ou seja, mesmo sem a definição da patente, quem entra com o pedido já tem alguma proteção.

Nesta quarta-feira (24), o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, também se posicionou a favor da derrubada do parágrafo e, mais do que isso, pediu ao STF a tutela provisória de urgência, ou seja, que os efeitos do parágrafo único do artigo 40 sejam suspensos imediatamente, levando em conta o cenário de emergência de saúde pública gerado pela pandemia da Covid-19.

Segundo Aras, "a declaração de inconstitucionalidade que se postula não suprime o direito à proteção de patentes", que continua garantida pelo artigo 40, o qual estipula prazo fixo para a patente.

A auditoria do TCU, citando o artigo, foi outra a apontar como possibilidade que a Casa Civil "avalie a conveniência e oportunidade de discutir a revogação do parágrafo único".

Afinal, qual o impacto para a sociedade de aumentar ou não o tempo de exclusividade de um produto ou invenção?

No caso de um remédio, trata-se de uma questão de acesso e de custos, principalmente para um grande sistema de saúde público como o brasileiro.

Estimativas baseadas em apenas alguns medicamentos, como a feita pelo TCU e por um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), apontam que, em espaço inferior a dez anos, o gasto a mais com a extensão de patentes entra na casa do bilhão de reais para os cofres públicos.

Segundo Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, uma das 13 instituições que constam como "amicus curiae" (entidade que oferece, no processo, esclarecimentos sobre o tema discutido) na Adin no STF, o parágrafo único, além de aumentar gastos, atrasa o desenvolvimento da própria indústria farmacêutica nacional, setor mais afetado pela letra da lei, segundo ele.

"Não há nada no mundo igual ao parágrafo único", diz Arcuri. A afirmação é reforçada pelo TCU.

Thomas Conti, professor do Insper e diretor-executivo da AED Consulting, aponta, porém, que nos EUA e na União Europeia há margem de manobra para possíveis aumentos de tempo de patentes. "A maior diferença não está no problema de fundo que o dispositivo jurídico visa compensar, mas na extensão do problema real de cada país", diz, referindo-se à grande demora para as concessões de patente no Brasil.

O presidente da FarmaBrasil diz que no Brasil os atrasos não são justificados e que a extensão acaba virando um mecanismo "automático". Segundo ele, para fazer um genérico, uma "cópia" do produto patenteado --visando o período posterior à duração da patente--, é necessário um longo período de tempo de desenvolvimento. Ele ressalta, porém, que não se trata de um posicionamento contra patentes, mas, sim, a favor da fixação de um tempo preciso para elas e, com isso, de segurança jurídica para produtores.

Procurado, o Inpi afirma, em nota, que 46% (30.469) das atuais 66.182 patentes em vigor, incidem no parágrafo único do artigo 40.

"Com o Plano de Combate ao Backlog de Patentes, o Inpi tem envidado grandes esforços para reduzir a incidência no parágrafo único do art. 40. Esta incidência, que no ano de 2019 estava em 44,8%, foi reduzida para 26,8% das patentes concedidas em 2020; a previsão é que, em 2021, esta incidência seja de 22% e, em 2022 teremos apenas incidências residuais", diz a autarquia.

Mesmo com a recente aceleração dos processos, Carvalhaes diz acreditar que seria precipitado revogar o parágrafo e que a ação dos colegas de algumas farmacêuticas que apoiam tal medida mirou no alvo errado.

"Continuamos com a reflexão de que o tema, de alguma forma, precisa chegar ao Congresso Nacional. Não sou advogada, não quero com isso tirar qualquer mérito do Supremo, mas a discussão teria que ser tão democrática quanto foi em 1996 [ano da lei da propriedade intelectual]", afirma a representante da Interfarma. "A lei foi negociada pelas vias próprias, sancionada pelo presidente e 24 anos depois parte dela é entendida como inconstitucional? Passaram-se 24 anos com pessoas incapazes?"

Segundo Carvalhaes, há tentativas junto ao Executivo para a formulação de um projeto de lei para discutir o tema.

Para Conti, o Congresso também é a via adequada, o que possibilitaria a discussão de nuances da propriedade intelectual. "É conhecido que o parágrafo único pode ter consequências diferentes dependendo do setor. Esse é um dos motivos que dificulta olhar com bons olhos para uma decisão judicial categórica que declare o parágrafo inconstitucional", afirma o professor. "Por querer ajudar numa ponta, pode prejudicar vários outros setores na outra ponta."

O ministro Dias Toffoli é o relator da Adin 5.529, que deve ir ao plenário do STF no dia 26 de maio.

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