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Lei para prorrogar contrato sem licitação traz risco e dá superpoder a prefeito de SP

Por Folha de São Paulo

20/01/2022 8h06 — em
Variedades



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma lei da gestão Ricardo Nunes (MDB) que permite prorrogar contratos sem licitação dá poderes demais ao Executivo, tem brechas para questionamento judicial e pode dificultar a transparência, dizem especialistas e fontes ouvidas pela reportagem.

O projeto do Executivo foi aprovado após votação considerada às pressas pela oposição no ano passado, alertando para o risco de que a gestão Nunes já aplique a lei em concessões bilionárias da cidade de São Paulo. O projeto foi sancionado neste ano.

Atualmente, a prorrogação é possível somente quando há a previsão contratual. Com a nova lei, não haveria mais a necessidade dessa previsão.

Além disso, é possível antecipar a prorrogação de contratos e incluir novos serviços. Outro ponto é que o projeto permite fazer a relicitação de serviços quando as obrigações contratuais não forem cumpridas ou quando houver incapacidade de cumprir as obrigações assumidas originalmente.

Os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, em tese, a prorrogação dos contratos pode até ser benéfica. No entanto, apontam problemas na lei paulistana.

A prefeitura sustenta que a lei segue o modelo de legislação federal e estadual.

Para a professora Patrícia Sampaio, da FGV Direito Rio, embora na teoria as prorrogações possam ser positivas, a lei paulistana traz ponto diferente da lei federal e que pode ser alvo de questionamentos.

"Em relação a casos em que não há previsão no edital e no contrato de que haveria uma prorrogação, esse tema vai poder ser questionado, à luz do princípio da vinculação ao edital", disse. "Na lei federal, é claro na definição que a prorrogação antecipada é para casos em que há previsão no edital e no contrato", diz.

Entre os pontos para a prorrogação, estão a atração de novos investimentos e o reequilíbrio financeiro. Para este segundo ponto, a professora vê vantagens na comparação, por exemplo, com um eventual aumento de tarifa. Já no caso de novos investimentos, se não houver previsão no contrato, acredita ela, também pode haver questionamentos.

Outro ponto é relativo à transparência. Na lei federal, há a previsão de consulta pública para a prorrogação de contratos. Na municipal, porém, isso seria feito apenas no caso das relicitações.

Por isso, órgãos como Ministério Público e Tribunal de Contas do Município poderiam acabar sabendo da prorrogação apenas após a publicação de um termo de aditamento.

"Apesar de ter acesso [dos órgãos de controle aos dados dos contratos] em tempo real, no fundo, no fundo o que você vai pegar é uma irregularidade depois [da prorrogação]. Isso pode gerar um prejuízo para a sociedade", diz o professor do Insper, Darcio Genicolo Martins, que coordena o Núcleo de Compras e Contratos Governamentais da instituição.

De acordo com ele, a lei segue o espírito de atualização da legislação federal. Com isso, é possível, por exemplo, fazer uma prorrogação até uma nova licitação. "O espírito dá instrumentos para o setor público evitar problemas na provisão do serviço públicos", diz.

No entanto, o professor afirma que a implementação da lei na vida prática preocupa.

"A lei cuida de uma maneira geral para problemas heterogêneos. Talvez seja menos crítico um contrato de R$ 100 mil em relação a um contrato de 8 bilhões em 30 anos", diz. [A lei] dá um poder discricionário que, se por um lado é bom, que pode agilizar um ou outro processo em nome do bem comum, dá um poder para o prefeito de alguma maneira fazer intervenções que podem ter outros interesses. Pode ter uma agenda oculta nessa história", diz.

Para ele, a também há a possibilidade de se facilitar a ineficiência por meio da prorrogação contratual. "Se o gestor quer beneficiar quem já estava no contrato, mesmo ele sendo ineficiente, ele vai ter esse poder", diz.

Na época da aprovação do projeto, o professor de regulação econômica Mario Schapiro, da FGV, disse ao jornal Folha de S.Paulo que os itens para a prorrogação são difíceis de serem acompanhados. "Uma concessão do lixo que tenha por exemplo uma vigência de 20 anos. Se em 20 anos esse contrato não foi capaz de se equilibrar e amortização dos investimentos, ele vai ser prorrogado por quanto tempo? Mais 20 anos? E daqui a 20 anos, será por mais 20 anos. É uma possibilidade que deve ser encarada como muito excepcional, do contrário a gente vai acabar com a ideia de licitação pública."

Entre políticos e técnicos que conversaram com a reportagem, a lei despertou a mesma espécie de preocupação. Para eles, a legislação é vista como um "cheque em branco". O principal ponto citado por diversas pessoas ouvidas pela reportagem são instrumentos como os que permitem não só alterar a vigência como o objeto e escopo contratual.

A própria gestão citou que, com a lei, "as áreas responsáveis estudarão a necessidade de incorporar outros serviços em seus contratos vigente".

A antecipação da prorrogação do contrato do lixo, prevista para o próximo ano, é uma das preocupações. Neste caso, a gestão diz que está prevista a possibilidade de prorrogação no contrato, e que "decisão deverá ser analisada mediante realização de diversos estudos e, agora, deverá seguir o procedimento nos termos da Lei 17.731/2022".

A relicitação também tem ponto que pode ser visto que destoa da lei federal. "Na lei federal, se você devolver a concessão, ela fica impedida de participar da nova licitação", diz a professora Patrícia Sampaio. No caso da lei municipal, há uma condicionante que a empresa só não pode participar da licitação se estiver impedida de participar de licitações em geral.

Questionada, a prefeitura afirmou que as prorrogações e relicitações já eram possibilidades previstas na lei federal. "A nova lei, ao definir um procedimento claro, traz transparência para esses procedimentos, porque define um caminho a ser seguido pela administração. Vale lembrar que já existem normas similares no âmbito federal e estadual", diz a gestão, em nota.

A gestão também negou que a lei afete a transparência, afirmando que "órgãos de controle interno e externo acompanham os contratos com a administração em todas as fases, não só na licitação, mas no cumprimento, na aplicação de penalidades, enfim, todo o tempo".

Sobre a incorporação de serviços, a administração afirma que ele está sujeito a regras da Constituição e direito administrativo, e que a nova lei apenas define o procedimento para uma decisão específica de adaptação do objeto do contrato.

A gestão também afirma que a falta de consulta pública nas prorrogações se deve às pressuposição "que já existe um contrato oriundo de uma licitação na qual houve consulta pública". "Na relicitação, como há um novo procedimento, é necessária uma nova consulta", diz a administração.

Na época da discussão do projeto na Câmara, o líder do governo, vereador Fábio Riva (PSDB), negou que se trata-se de um cheque em branco. "Os contratos são auditados, são controlados, são fiscalizados, tanto com controle interno quanto externo."

Já o vereador Antonio Donato (PT), na ocasião, disse que a lei, discutida em três dias e que afeta contratos bilionários, se tratava de "esculacho" com a Câmara".


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