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Governo desconhece situação do coronavírus nos presídios

Por Folha de São Paulo

22/04/2020 12h24 — em
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SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Governos estaduais ouvidos pela reportagem afirmaram que, apesar de terem adotado medidas para tentar conter a propagação do vírus, quase não estão realizando testes de Covid-19 em detentos, mesmo porque essa medição tem sido escassa até para a população em geral.

Das 27 unidades da federação procuradas pela reportagem, 20 responderam, total ou parcialmente, aos questionamentos. Dessas, só metade disse já ter aplicado testes em presos, em uma soma de menos de 1.000 --0,1% do superlotado universo carcerário.

No Brasil há 442 mil vagas nas prisões, de acordo com os dados mais atualizados do Ministério da Justiça. Em dezembro, o país tinha 755 mil pessoas encarceradas.

Soma-se a esse mais um dado grandiloquente, o do quase total desconhecimento pelas autoridades da real situação do coronavírus nas prisões.

Segundo monitoramento oficial do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), subordinado ao Ministério da Justiça, havia nesta terça (20) 60 casos confirmados de Covid-19 nos presídios.

Houve duas mortes --a primeira de um preso de 73 anos que estava em regime fechado no Instituto Penal Cândido Mendes, unidade para idosos no Rio, morto na quarta (15).

Há 150 casos suspeitos, com destaque para Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Especialistas, porém, veem os números como subestimados.

Há cerca de um mês a Pastoral Carcerária Nacional, ligada à CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), divulgou carta aberta aos ministérios da Saúde e Justiça cobrando posição sobre a situação, frisando os riscos impostos pelas "condições degradantes existentes no cárcere".

A entidade afirma haver um histórico de subnotificação e de falta de transparência na administração nas prisões.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou no último dia 3 ofício ao Ministério da Justiça pleiteando a inclusão de agentes penitenciários e de presos no público- alvo dos cerca de 500 mil testes rápidos que estão sendo distribuídos aos estados. A PGR informou na sexta (17) não ter obtido resposta.

Segundo o Depen, havia em dezembro 11.374 presos com mais de 60 anos, ou seja, no grupo de risco do coronavírus.

Com a pandemia, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou em março habeas corpus temporário para pessoas mais vulneráveis, como portadores do HIV e idosos, com exceção de autores de crimes graves ou que representem ameaça à sociedade.

Segundo o Depen, ao menos 30 mil pessoas foram colocadas em prisão domiciliar desde o começo da crise.

No Rio, acumulam-se evidências do vácuo de informação devido a testes não feitos. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ acompanha os casos de três detentos que, no final de março, tiveram óbitos por "causa indeterminada", "insuficiência respiratória" ou "doença". A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) também tem cobrado mais transparência do estado.

Alexandra Sánchez, pesquisadora da fundação, diz que "a real situação nas prisões do Rio é desconhecida". "Certamente há subdiagnóstico. Existem casos de síndromes gripais, mas o teste não é disponibilizado para presos."

Ela compara a situação com a de Brasília, onde foram disponibilizados testes para presos, descobrindo-se, em poucos dias, 38 contaminados.

Para o defensor público Renato De Vitto, diretor do Depen entre 2014 e 2016, ter o fechamento dos presídios como única estratégia de controle é armar uma bomba que explodirá para além dos muros.

"Não são lugares hermeticamente fechados, vão se transformar em vetores de infecção e reinfecção", diz. Para De Vitto, a testagem quase inexistente e o déficit de atendimento médico no sistema criam um cenário para que o vírus cresça em progressão geométrica.

No Amazonas, oficialmente não há casos ou óbitos referentes a Covid-19 em penitenciárias. Familiares de presos, porém, contestam os dados.

Parente de interno de uma das penitenciárias do estado, Carlos (nome fictício) relata que seu familiar foi liberado na segunda (13) e, dois dias depois, deu entrada em hospital, onde ainda está, isolado por suspeita de Covid-19.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas isolou mais de 300 presos de grupos de risco. Mas familiares se queixam de que há hipertensos e asmáticos convivendo com os demais, sem qualquer proteção adicional.

"Os internos estão saindo e nos contam o que acontece. Há presos se queixando de febre, dores no corpo e muita falta de ar. Depois de 2017 e 2019, o coronavírus vai fazer o terceiro massacre em Manaus", diz Alessandra (nome fictício), irmã de um detento.

À reportagem os responsáveis nos estados pela administração das penitenciárias responderam, de forma geral, que estão adotando ações de prevenção, como a suspensão de visitas, cancelamento de atividades coletivas, isolamento de presos com sintomas e reforço em medidas de limpeza, higiene, conscientização e de proteção aos servidores.

Apenas o Rio Grande do Sul afirmou ter feito experiência-piloto em Novo Hamburgo, em parceria com a prefeitura local, testando cerca de cem presos do regime semiaberto. Nenhum teve teste positivo.

O DF disse estar fazendo avaliação médica e aplicando testes rápidos a 332 presos e 126 agentes da ala onde surgiram os primeiros casos na capital --100 foram positivos.

De modo geral, os estados afirmaram que possíveis mudanças na atual metodologia dependerão do curso da pandemia e de eventuais novas orientações das autoridades.

O Ministério da Justiça afirmou, em nota, que não há descontrole sobre a situação dos presídios e que haverá incremento na testagem. Diz ainda que as testagens são realizadas a pedido médico, após avaliação clínica, e que solicitou aos estados informações sobre os testes já aplicados.

"O Depen não avalia que haja descontrole da situação nos presídios. Os presos recebem atendimento por parte das equipes de saúde locais, muitas fixas nas próprias unidades prisionais", afirma o órgão, que responde pelos cinco presídios federais.

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