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Fazendeiro perde 6.000 hectares no Pantanal, mas defende queimadas

Por Folha de São Paulo

25/09/2020 12h04 — em
Variedades



SANTO ANTÔNIO DE LEVERGER, MT (FOLHAPRESS) - Do alto de seus 46 anos como proprietário rural em Mato Grosso, o pecuarista Pedro de Oliveira Rodrigues se achava preparado para o incêndio que devasta o Pantanal. Com tratores, ele havia cercado a fazenda São Francisco de aceiros (faixas de terra exposta), alguns com até 100 metros de largura.

Até que, em 11 de setembro, o fogo queimou, em intervalo de duas horas, 4.300 hectares de pasto e vegetação nativa.

O prejuízo estimado é de pelo menos R$ 3 milhões, incluindo cerca de 250 cabeças de gado e alguns quilômetros de cerca. O cálculo deixou de fora a compra de sementes para replantar o pasto, que custará algumas centenas de milhares de reais.

A destruição também deixou impacto pessoal profundo no seu Pedrão, 70, como é mais conhecido. Ele chegou a ser hospitalizado após o fogo, que salpicou seus braços e pernas. Emocionalmente abalado, desistiu de tocar a fazenda que comprara há 22 anos. Decidiu passar a administração para a neta veterinária e quer voltar ao Paraná, de onde saiu ainda criança.

"Vou parar com muita tristeza, mas achei que devo e ficou na hora. Eu me senti derrotado", diz Rodrigues com olhos marejados e voz embargada, em entrevista na sede da fazenda, uma das poucas áreas que escaparam do fogo.

O cenário é desolador. A sede se tornou uma pequena ilha cercada de cinza escuro, árvores queimadas e solo exposto. No curral ao lado, vários bezerros recém-nascidos estavam deitados no chão por causa das patas queimadas. Todos perderam a mãe e agora dependem do leite dado por funcionários. Dois morreram nos poucos minutos em que a reportagem ficou no recinto.

Além do gado, vários animais silvestres foram encontrados calcinados na área de reserva da mata nativa. Entre os mortos, anta, veado e até uma arara-canindé, aparentemente morta em pleno voo.

"O que não dá, o que eu não aguento mais é o sofrimento dos animais. Tinha uma reserva [de mata] de 800 hectares. Era um orgulho que eu tinha de ter, de manter. Hoje, é só tristeza, só tristeza, a natureza se acabou."

Ex-militar, Rodrigues chegou a Mato Grosso em 1970, para trabalhar na construção da BR-163, a Cuiabá-Santarém. Quatro anos depois, deixou o Exército e, com ajuda do pai, comprou sua primeira fazenda em Mato Grosso.

Hoje, além da São Francisco, ele tem outras duas fazendas vizinhas --uma delas também teve 1.700 hectares destruídos pelas chamas.

As propriedades margeiam a MT-040 por cerca de 25 km, segundo Rodrigues. À beira da rodovia, o fazendeiro ergueu uma grande cruz com imagens de Nossa Senhora Aparecida e de São Francisco de Assis, ladeadas por bandeiras do Brasil e de Mato Grosso.

Rodrigues diz que o foco que queimou a sua fazenda teve origem a 40 km, em linha reta. No dia em que o fogo se aproximou, mobilizou funcionários e familiares durante a madrugada para refazer, com trator, os aceiros. Em vão.

"Mais ou menos às 10h30, resolvemos ir lá no fundo na fazenda de caminhonete. Quando chegamos lá, o fogo já tinha pulado e tentamos apagar. Vendo que não tinha êxito, corremos de lá pra sede, viemos muito rápido. Quando chegamos aqui, o fogo chegou junto, coisa que jamais eu vi na minha vida."

"Nós ficamos ilhados aqui em casa sem poder sair do lugar, com o fogo em volta. Eles pegavam água ali na represa e molhavam aqui. Queimou grande parte do curral, umas madeiras de cerca queimaram na porta. Eu me senti um inútil. Sinceramente, fiquei muito desgostoso com aquilo que vi e com aquilo que presenciei."

"Duas horas depois, peguei a camionete e fui fazer os mesmos percursos. Encontrei só animal queimado e 4.300 hectares queimados, inteiramente", relembra. E repete: "Eu nunca vi na minha vida".

Apesar de investigações indicarem áreas de fazenda como origem de diversos focos de incêndio no Pantanal, Rodrigues defende com veemência o uso do fogo para o manejo do pasto na região.

"O cerrado se adaptou a ser queimado. O pessoal tem medo de falar. A lixeira [espécie de árvore] se refaz com o fogo, as árvores se refazem com o fogo", assegura. "Quando nós tínhamos o fogo liberado, quando parava a água da chuva, em maio, nós começava a queimar o campo em maio, junho, julho. Em agosto, setembro e outubro nós já não tínhamos mais queima."

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que agosto e setembro são, tradicionalmente, os meses com mais registros de focos de incêndio no Pantanal. Quase todos são provocados pela ação humana, com a exceção de raios, que geram focos de alcance mais limitado.

Neste ano, o governo de Mato Grosso ampliou o período de proibição de queimadas no campo. Teve início em 1º de julho e termina em 30 de setembro. O Pantanal e outras regiões do estado atravessam sua pior seca em décadas.

Questionado sobre a origem do incêndio que devastou as duas fazendas, Rodrigues apontou como vilão o recente asfaltamento da rodovia que corta a sua propriedade.

"Nós tínhamos aqui um paraíso e, infelizmente, o fogo entrou pelo asfalto. Ninguém roça a beira de rodovia. Se você limpar, ainda é multado. O Estado não limpa, o mato cresce, o fogo anda na beira da pista, vai fazer o quê."

Com os especialistas, o fazendeiro concorda em ao menos um aspecto: o clima está mudando para pior. "O calor aumentou muito, as chuvas diminuíram muito. As melhores águas da região estão dentro das minhas propriedades. Confesso a vocês que hoje tem uns 30%, 40% no máximo da vazão normal, no máximo."

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