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Estados preferem cestas básicas a voucher para combater fome sob coronavírus

Por Folha de São Paulo

07/04/2020 20h46 — em
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Enquanto o governo federal planeja a distribuição de R$ 600 para evitar a fome de milhões de trabalhadores informais atingidos pelo isolamento contra o novo coronavírus, governos estaduais e de capitais do país preferem investir recursos emergenciais na distribuição de comida.

A entrega de cestas básicas tem superado a transferência direta de renda na escolha das autoridades locais. O governo fluminense, por exemplo, prevê gastar mais de R$ 100 milhões na compra de um milhão de cestas básicas com recursos públicos e privados. O estado chegou a cogitar instituir também um voucher, mas a ideia foi abandonada.

Ao menos outros sete estados e 11 capitais vão distribuir kits de alimentos para as famílias pobres. O cartão alimentação será usado por dois governo estaduais e três capitais, entre elas São Paulo. ONGs também adotam estratégias distintas no uso dos recursos arrecadados.

Os órgãos que optaram pelas cestas básicas apontam a necessidade de uma compra em grande quantidade para atender ao maior número de pessoas atingidas pelo isolamento social imposto pelos governos locais.

"Como vamos realizar uma compra grande, conseguimos com o volume reduzir o preço dos itens. Assim, conseguimos comprar mais do que as pessoas que recebem cartão individualmente. Podemos atender a mais gente", disse o vice-governador Cláudio Castro (PSC), que coordena a distribuição dos alimentos no Rio de Janeiro.

O cartão alimentação, contudo, é apontado por aqueles que o adotam como um meio mais ágil para aumentar a renda e garantir a segurança alimentar de famílias que antes conseguiam seu sustento diário nas ruas. A vantagem, afirmam, é a desnecessidade de uma grande estrutura logística para receber e distribuir os alimentos.

"Com o cartão, consigo chegar a um público que não temos em nossos cadastros [de pessoas de baixa renda], como os informais e os taxistas", disse a secretária de Assistência Social de Salvador, Ana Paula Matos. A capital baiana vai pagar R$ 270 por três meses a trabalhadores informais, além de distribuir 170 mil cestas básicas às famílias dos alunos da rede municipal.

Especialistas divergem sobre a melhor estratégia para garantir a segurança alimentar não só de miseráveis, mas também dos trabalhadores informais que não podem mais ir às ruas ganhar seu sustento. A ex-ministra de Assistência Social no governo FHC, Wanda Engel, afirma que o cartão agiliza a chegada dos recursos a quem precisa, aquece a economia local e dá liberdade aos beneficiários para que usem o recurso da forma que considera melhor para sua realidade.

"A cesta básica é uma primeira geração no assistencialismo no Brasil. Ela só faz sentido se a emergência se dá por desabastecimento. O que temos agora é falta de renda", disse ela.

Ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes afirma que a transferência de renda direta é adequada em situação de normalidade --como é o modelo do Bolsa Família. Em emergências como a atual, diz ele, o relevante é atender ao maior número de pessoas desassistidas.

"Os alimentos da cesta são limitados, mas atendem um maior número de pessoas. Há uma diferença grande entre a quantidade que se consegue distribuir e o que as pessoas compram sozinhas", afirmou ele.

Mãe de cinco filhos, a vendedora de doces Hanna Araújo, 30, recebeu uma cesta de alimentos da ONG Ação da Cidadania. Moradora de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, ela não foi mais às ruas do bairro vender seus brigadeiros, tanto para se proteger, como pela redução no número de pessoas circulando.

"Nunca precisei de cesta básica para me manter. É desesperador não saber o que vai comer amanhã", disse ela.

Hanna diz que a cesta será suficiente para manter sua família por cerca de uma semana. Mas afirma que ela não atende aos desejos dos filhos.

"Eles pedem iogurte, biscoito. Com um cartão poderia comprar o que eles pedem também", disse ela, que pretende obter, junto com o marido cobrador de van, a renda básica de R$ 1.200 oferecida pelo governo federal.

Atender aos desejos das crianças também é uma vantagem do vouhcer apontada por Jennifer Regina da Conceição, 37, mãe de cinco filho na favela Seringueira, em Poá (SP). Ela recebeu um cartão alimentação de R$ 100 oferecido pela ONG Gerando Falcões, parceira do fundo de R$ 25 milhões criado pela XP Investimentos com o apoio de outras empresas.

"O cartão foi uma surpresa. Pensei que receberia uma cesta. Como eu preciso, qualquer uma das duas formas eu aceito. Mas com o cartão consegui comprar bastante coisa. No mercado aqui perto estão dando desconto pequeno. O cartão dá liberdade. Consigo comprar o que as crianças pedem. Elas ficam mais tranquilas", disse Jennifer, que trabalha com montagem de embalagens de papelão.

O fundador e CEO da Gerando Falcões, Eduardo Lyra, afirma que a entidade vai, através de cruzamento de dados do governo federal, direcionar os recursos dos cartões distribuídos para as famílias que não conseguirem a renda mínima emergencial da União.

"O entendimento é que o benefício precisa ir para quem não tem a cobertura do governo. Dificilmente o governo vai conseguir resolver todo o problema sozinho. Vamos ter que fazer um esforço coletivo. Uma população vai ficar descoberta das ações do governo", disse Lyra.

O diretor-executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo Afonso, discorda do uso de cartões em momentos de crise. Ele afirma que o poder de compra das famílias individualmente se reduz à metade, comparado ao que as entidades que distribuem cestas básicas podem oferecer comprando no atacado.

"Numa situação normal, a liberdade que o cartão dá até pode ser boa. Mas não estamos lidando num cenário em que há dinheiro para distribuir para todo mundo. Estamos numa crise em que não há recurso para todos. Precisamos fazer o dinheiro rentabilizar da melhor maneira possível para atender um maior número de pessoas, mesmo que com produtos padronizados", afirmou.

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