Dispersão atrapalha abordagem de usuários na cracolândia, diz documento
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A organização social responsável pela abordagem de usuários de crack na região central de São Paulo afirmou em documento que a dispersão de dependentes químicos pela região central de São Paulo tornou mais difícil o trabalho das equipes de assistência social na cracolândia.
A informação consta em documento da Associação Comunitária São Mateus, contratada pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e responsável pelo Seas (Serviço Especializado de Abordagem Social) na região da praça Princesa Isabel, alvo de operação policial que expulsou usuários e prendeu traficantes no último dia 11.
Procuradas pela reportagem, tanto a gestão municipal quanto a estadual defenderam a operação policial e afirmaram que o número de atendimentos aumentou desde que ela foi realizada.
O relatório da organização social foi enviado à administração municipal no dia da operação e detalhou o trabalho de abordagem aos usuários após o esvaziamento da praça. No fim, os técnicos ressaltaram que "a ação dificulta o acesso a essa população elevando sua migração a outros territórios".
O serviço de assistência social é terceirizado na cidade de São Paulo. A Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) contrata as organizações sociais e fiscaliza o trabalho, mas não tem ingerência sobre o serviço prestado.
Mesmo diagnóstico foi apresentado ao Ministério Público por técnicos da Associação Comunitária São Mateus nesta segunda-feira (23). A convocação faz parte do inquérito aberto por quatro promotores para investigar a ação policial na praça.
"Eles falaram que não tem material humano suficiente para procurar os usuários pelas ruas do centro", diz o promotor Arthur Pinto Filho, um dos responsáveis pelo inquérito.
O promotor ressaltou a alta rotatividade dos funcionários que fazem as abordagens devido ao baixo salário diante de um trabalho desgastante. Segundo Pinto Filho, o contrato com a prefeitura paga em média R$ 1.800 aos agentes sem exigência de especialização, apenas ensino médio completo. São 42 funcionários para abordar até mil pessoas no fluxo --como como é chamada a concentração de usuários de drogas-- diariamente em turnos das 8h às 22h. "Fica difícil estabelecer o vínculo dessa forma", diz o promotor.
A dificuldade de atendimento como consequência da dispersão de usuários vai de encontro ao que tem sido dito pela Polícia Civil e pelo secretário-executivo de Projetos Estratégicos da prefeitura, Alexis Vargas, coordenador do programa municipal contra o crack, o Redenção.
Segundo ele, é mais fácil convencer os usuários a procurar tratamento com eles dispersos do que quando estão concentrados em um ponto.
Uma tenda emergencial com agentes de saúde e assistentes sociais está montada na rua Helvetia desde a última terça-feira (17) para facilitar o acesso de usuários em busca de atendimento. A reportagem pediu o balanço do número de pessoas que procuraram a tenda na primeira semana de funcionamento, mas a prefeitura não forneceu os dados.
A Folha requisitou nesta segunda uma entrevista com o governador de São Paulo e candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), para comentar a situação atual da cracolândia. A assessoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes informou que não havia espaço na agenda e orientou a reportagem a buscar a SSP (Secretaria de Segurança Pública).
Em nota, a pasta afirmou que as operações policiais na região são integradas aos órgãos municipais e estaduais que prestam serviços e atendimento de saúde e assistência social. Segundo a secretaria, 62 pessoas foram presas ou apreendidas e 10,2 quilos de drogas foram encontrados na região entre janeiro e março deste ano.
Dados da Secretaria Estadual de Saúde apontam que houve aumento de 23% na busca de tratamento por dependentes químicos na região central após a ação policial na praça Princesa Isabel no último dia 11.
A gestão Nunes reiterou que a dispersão dos usuários como consequência das ações policiais resultou no aumento de usuários que procuraram atendimento do programa Redenção. Entre janeiro e abril, a secretaria-executiva de Projetos Estratégicos informou que aumentou de 27 para 133 o número de pessoas encaminhadas aos equipamentos especializados.
A Smads afirmou que as abordagens são feitas de maneira planejada considerando a nova situação da cracolândia, e que 35% mais pessoas foram abordadas entre janeiro e abril deste ano. "Essa ampliação dos atendimentos e tratamentos está diretamente vinculada à redução e dispersão dos usuários, que antes encontravam-se concentrados na Alameda Cleveland", informou a secretaria.
Vizinhos da rua Helvetia, onde desde quinta (19) estão concentrados usuários e traficantes, reclamam de conviver com a feira de drogas a céu aberto. A proximidade do local também tem contribuído para o aumento de casos de furtos e roubos na vizinhança, segundo os moradores.
Uma manifestação organizada no último sábado (21) foi até a sede da prefeitura, no Viaduto do Chá, para pedir protestar contra a situação atual e pedir uma solução para a questão.
O quarteirão da Helvetia entre a avenida São João e a alameda Barão de Campinas se transformou no novo endereço da cracolândia após ação policial que tirou as tendas montadas na rua Doutor Frederico Steidel, do outro lado da avenida.
A rua, até então, pacata foi ocupada por centenas de usuários após a dispersão da praça Princesa Isabel. Antes de se estabelecerem na via, os usuários migraram por diversos pontos do centro, mas eram impedidos de ficar pela GCM (Guarda Civil Metropolitana).
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