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Cultura de órgãos públicos e empresa é a de desacreditar vítimas de assédio, dizem especialistas

Por Folha de São Paulo

06/09/2024 19h30 — em
Variedades



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Seja nos órgãos públicos ou nas empresas, a cultura de desacreditar a palavra de mulheres vítimas de assédio ainda impera e dificulta ações de combate à violência de gênero. Essa é a avaliação de especialistas em direito do trabalho e direitos humanos ouvidos pela reportagem.

"Por maiores que sejam as empresas ou órgãos públicos, elas ainda não têm políticas internas bem estruturadas de enfrentamento ao assédio. E essa falta de estrutura acaba por revitimizar a vítima, que muitas vezes tem que escolher entre se silenciar ou sofrer retaliação pela denúncia", diz Suena Brandão, presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da OAB.

Nesta sexta (6), o ministro Silvio Almeida foi demitido da pasta de Direitos Humanos do governo Lula (PT) após acusações de assédio sexual recebidas pela ONG Me Too Brasil. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, teria sido uma das vítimas. Ele nega a acusação e afirma ter pedido investigação.

Para as especialistas, atualmente há pouca diferença na estrutura das esferas públicas e privadas para lidar com os casos de assédio no ambiente de trabalho. Elas avaliam que existem iniciativas para criar canais de denúncia, mas que elas são ainda raras e estão pouco fortalecidas.

"O primeiro passo para uma ouvidoria funcionar é ela existir. Mas esses canais não podem ser simplesmente de fachada, para dizer que há uma intenção de coibir o assédio. É preciso uma mudança cultural em todo o espaço de trabalho", diz a advogada Bianca Dias, especialista em direito do trabalho.

Ela explica que a ouvidoria precisa ser capaz de acolher a vítima, dando apoio psicológico durante e após a formalização da denúncia. Além disso, deve ter preparo e autonomia para conduzir a investigação dos fatos e a definição da punição.

"Nós vivemos em um sistema machista e patriarcal no qual as questões sistêmicas sempre operam em desfavor da mulher. Seja ela a funcionária ou a gerente. A palavra dela sempre vale menos que a de um homem, por isso, é preciso trabalhar por uma mudança de cultura no espaço de trabalho", diz Dias.

Para ela, um indicativo disso é o fato de os casos de assédio não acontecerem apenas quando o agressor tem um cargo superior ao da vítima.

"Normalmente, a gente associa o assédio aos casos que acontecem de cima para baixo. Mas ele acontece também entre pares, entre pessoas da mesma hierarquia. Porque está ligado ao comportamento predatório do homem, que coloca a mulher, seja quem ela for, como subalterna", afirma a advogada.

Apesar disso, as especialistas defendem que a diversidade na ocupação dos cargos colabora para a diminuição dos casos de assédio.

Elas também defendem que as ouvidorias tenham cargos ocupados de forma representativa.

"Para que uma instituição seja capaz de lidar com casos de assédio sexual ou moral de forma eficaz, é essencial que ela adote uma política de equidade de gênero e uma política antirracista. Não adianta ter apenas homens brancos lidando com esse tipo de denúncia porque eles não conseguem ter compreensão dos casos que vão analisar", diz Brandão.

Outro ponto citado por elas é de que a investigação das denúncias deve considerar diferentes elementos apresentados pelas vítimas, já que o assédio se caracteriza por ser uma violência difícil de ser provada.

"O assédio acontece em geral quando estão só as duas pessoas. O agressor sabe que não deve fazer aquilo, por isso, assedia sem deixar provas. Isso exige que sejam analisadas provas diferentes, não apenas aquelas mais técnicas ou tradicionais", explica Dias.

"O relato de uma testemunha, por exemplo, pode e deve ser considerado. É a palavra de uma pessoa contra a de outra. Mas, historicamente, a palavra do homem tem mais valor do que a da mulher."


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