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Russomanno depende de Bolsonaro para implantar 'auxílio paulistano'

Por Folha de São Paulo

30/09/2020 12h04 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na esteira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu recém-anunciado programa Renda Cidadã, que substituirá o Bolsa Família se sair do papel, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos) anunciou nesta terça-feira (29) que estuda a criação do "auxílio paulistano", um complemento da verba paga pelo governo federal.

Com as dificuldades financeiras que a cidade enfrenta, porém, o auxílio municipal é visto com ressalvas por especialistas em contas públicas e por adversários de Russomanno na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

A implementação do projeto, segundo o projeto desenhado pela campanha, depende do compromisso do governo federal em aliviar o pagamento de dívidas da cidade.

A campanha de Russomanno, que é tido como o candidato de Bolsonaro em São Paulo, quer mirar nos 2,6 milhões de paulistanos que recebem o auxílio emergencial do governo federal por causa da pandemia do coronavírus. Assim como o pagamento foi responsável por aumentar a popularidade do presidente, a ideia do candidato é arrebatar eleitores na mesma linha.

Em compromisso na zona leste nesta terça, o candidato afirmou que a proposta ainda é estudada e não deu detalhes de como ela seria financiada. A ideia veio do publicitário Elsinho Mouco, ex-marqueteiro de Michel Temer (MDB), que passou a integrar a campanha de Russomanno.

Segundo Mouco, a proposta é que a prefeitura aumente de 15% a 20% o valor pago pelo governo federal com o Renda Cidadã. "São Paulo foi o epicentro da pandemia, foi a cidade mais atingida", afirma o publicitário.

Assumindo que o Renda Cidadã incorpore os 2,6 milhões de paulistanos que recebem o auxílio e que o valor se manterá nos atuais R$ 300 (eram R$ 600 no início da pandemia), isso significa um gasto de R$ 45 a R$ 60 por beneficiário.

O Tesouro municipal teria que gastar R$ 156 milhões por mês. Em um ano, o custo seria de R$ 1,8 bilhão. Para se ter uma ideia, a prefeitura espera investir neste ano R$ 4,6 bilhões. Para o ano que vem, os prognósticos são incertos.

De acordo com Mouco, a ideia é repactuar a dívida de São Paulo com a União. Ou seja, a proposta de Russomanno dependeria de anuência do governo federal, que precisaria aceitar que a cidade pague um valor menor do que o atual em juros e amortizações.

Atualmente, a dívida é de R$ 42 bilhões e o pagamento anual chega a R$ 3,8 bilhões --com a pandemia, houve um acerto para que a cidade deixasse de pagar a dívida temporariamente para compensar a queda de arrecadação.

Em tese, se Bolsonaro topasse abrir mão do valor, o programa de Russomanno poderia caber no Orçamento. No entanto, um gesto de amizade a um aliado poderia gerar uma reação em cascata de outros municípios pedindo o mesmo.

O governo federal já impôs duras condições de cortes de gastos e vendas de estatais a outros estados em dificuldades financeiras que também pleitearam alívio na dívida.

Além disso, se conseguir criar o Renda Cidadã, o governo Bolsonaro não estará em condições de abrir mão de receitas. A tentativa de financiar o programa via precatórios e Fundeb é vista pelo mercado como uma tentativa de driblar o teto de gastos.

"Russomanno é o único candidato que pode negociar isso com o governo federal", afirma Mouco, ressaltando o alinhamento entre o deputado e o presidente. Segundo a campanha, a manutenção da proposta é incerta caso a gestão Bolsonaro falhe na implementação do Renda Cidadã.

Se tivesse que bancar o "auxílio paulistano" com recursos municipais, Russomanno deixaria de investir o suficiente para construir 40 CEUs (Centros Educacionais Unificados), como o inaugurado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) no Tremembé (zona norte de SP).

Financeiramente, para a cidade, o ano que vem pode ser mais duro que 2020.

Com a pandemia, a prefeitura recebeu uma série de socorros, que incluem auxílio emergencial no valor de R$ 1,4 bilhão, transferências que somam R$ 1 bilhão, contou com a suspensão do pagamento das parcelas de dívida com União, e a cidade já tinha disponibilidade de R$ 2,5 bilhões acumulados de outros anos, segundo valores divulgados pela prefeitura.

No ano que vem, por enquanto, não há previsão de que esses auxílios voltem a acontecer. Além disso, o Orçamento deve ser menor do que os R$ 68,9 bilhões planejados para 2020.

"Estamos estudando o auxílio paulistano, que seria um complemento ao que o governo federal está fazendo. Agora com muito critério, para saber de onde a gente vai tirar o dinheiro, para que o município continue investindo e continue com as suas atribuições que são importantíssimas, transporte, limpeza, coleta de lixo, iluminação e todas as outras coisas que são de competência do município", afirmou Russomanno nesta terça-feira.

A proposta de Russomanno foi vista com desconfiança por rivais na disputa. Outras campanhas também têm ideias que estabelecem auxílios para a população de baixa renda. Entre candidatos de esquerda e centro-esquerda, os planos giram em torno da implementação de uma renda básica.

Jilmar Tatto (PT) criticou a ideia do postulante do Republicanos por carecer de lastro orçamentário.

"Pode ser mais uma proposta fraudulenta em relação à cidade. Não merece credibilidade, é discurso eleitoreiro. O presidente que apoia ele não queria implantar o auxílio, apresentou R$ 200 [o Congresso chegou ao valor de R$ 600]", afirma Tatto.

O candidato petista, no entanto, ciente das dificuldades de caixa da prefeitura, evita dizer que seu programa abraçará todos aqueles que recebem hoje o auxílio federal. "Não vou ser irresponsável. Temos que começar primeiro com os mais vulneráveis, moradores de rua e usuários de drogas", diz, sem estipular um valor.

A ideia é expandir a Renda Básica aos poucos, a depender das fontes de recursos --uma delas seria o aumento do ISS para bancos.

Guilherme Boulos (PSOL) propõe conceder um valor entre R$ 350 e R$ 400 por família, que, segundo ele, beneficiaria mais de 2 milhões de paulistanos.

"Quando o dinheiro não vai para esquema com empresas de ônibus, para esquema com empreiteira, sobram recursos", diz a campanha do PSOL, em nota.

Márcio França (PSB) prevê o pagamento de um benefício atrelado à prestação de serviços pelos beneficiados. Segundo a campanha, serão criados 100 mil postos em frentes de trabalho. "As pessoas são contratadas para trabalhar três dias por semana, 6 horas por dia, em trabalhos de limpeza, manutenção, pequenos reparos, jardinagem, em toda a cidade, recebendo, para isso, salário de R$ 600 ao mês", diz o candidato, em nota.

Segundo França, os recursos sairão de R$ 2,5 bilhões mensais derivados de R$ 1,8 bilhão de contratos parados com OSs (organizações sociais).

A gestão de Covas afirma que São Paulo deve encerrar o ano com um déficit na arrecadação de R$ 7 bilhões e que "não há espaço para propostas irreais. O tucano lista entre suas ações o custeio dos salários de 108 mil trabalhadores terceirizados ao custo de R$ 375 milhões por mês e o auxílio de R$ 1.200 para 900 famílias que atuam em reciclagem e de R$ 600 para 1.400 catadores. O cartão merenda, de R$ 55 a R$ 101, é pago na pandemia a 770 mil alunos.

O professor de administração pública da FGV Gustavo Fernandes diz que ao abraçar um programa de renda que costuma ser atribuição federal, o município corre o risco de não garantir serviços que cabem a ele.

Para o especialista em gestão governamental Thiago Borges, a criação do programa é factível caso haja um fôlego no Orçamento da cidade, mas novas necessidades poderão surgir no caminho de quem assumir a prefeitura.

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