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França, que nega ter rabo preso, se associou a grupos e teve gastos contestados

Por Folha de São Paulo

30/10/2020 12h04 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na tentativa de se desvincular tanto do bolsonarismo como da esquerda, o ex-governador Márcio França (PSB) passou a adotar em sua campanha à Prefeitura de São Paulo o discurso de que "não tem rabo preso com ninguém".

Embora tenha evitado se posicionar ideologicamente ao longo da carreira, França se comprometeu com diferentes grupos em sua trajetória política e enfrentou questionamentos de uso da máquina administrativa e de iniciativas populistas que elevaram os gastos públicos.

Eleito vice de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2014, França assumiu o Governo de São Paulo depois que o tucano renunciou, em abril de 2018, para concorrer à Presidência.

Em quase oito meses de gestão, buscou se aproximar dos tucanos não ligados a Doria, de partidos aliados aos petistas e dos bolsonaristas.

Já conquistou apoiadores associados a lados ideológicas extremos: de Aldo Rebelo, ex-ministro de Lula e militante histórico do PC do B que acabou parando no Solidariedade, ao senador Major Olímpio (PSL), um dos principais apoiadores em São Paulo de Jair Bolsonaro, com quem acabou rompendo depois.

Apesar de mais de três décadas na política, França se apresentou na eleição ao governo como novidade, embalado pela onda da antipolítica. Um dia antes do segundo turno em que acabou derrotado por João Doria (PSDB), disse que faltavam "poucas horas para São Paulo ter um novo governador". Esse "novo" era ele próprio, que estava no cargo havia seis meses.

Agora, segundo pesquisa Datafolha do dia 22, o candidato do PSB tem 10% das intenções de voto, empatado tecnicamente em terceiro lugar com Guilherme Boulos (PSOL), com 14%. Em primeiro, Bruno Covas (PSDB), com 23%, e Celso Russomanno (Republicanos), com 20%, também empatados.

Ao assumir o governo, França elevou repasses às prefeituras para reformas e obras de infraestrutura. No primeiro mês de gestão, segundo deputados do PSB, não pôs entraves à aprovação pela Assembleia Legislativa de um aumento do teto do funcionalismo estadual de cerca de R$ 10 mil.

Oficialmente, o governo se posicionou contra. A proposta era tida como pauta-bomba pela gestão Alckmin, que atuava contra o aumento que, no futuro, poderia comprometer o estado com rompimento dos limites impostos pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

A medida, no entanto, agradava a partidos que tiveram campanhas financiadas por agentes fiscais de rendas, elite do funcionalismo estadual e principais beneficiados.

O aumento foi aprovado em PEC (emenda à Constituição, que não precisa de sanção do governador) e barrado pela Justiça, mas a gestão França compensou os servidores: facilitou o pagamento de um penduricalho nos rendimentos dos agentes fiscais.

Na campanha de 2018, França prometeu outros aumentos. Disse que os policiais e os professores do estado teriam os maiores salários do país, o que lhe garantiu apoios tanto da esquerda como de setores do PSL. Nunca detalhou de onde sairia o dinheiro sem ultrapassar os limites da LRF.

Em 2018, França passou a flertar com o bolsonarismo e pôs uma vice que apoiava o então candidato Bolsonaro. No interior, participou de eventos com carros plotados com sua foto dele e a do atual presidente da República.

Na gestão estadual, França usou aeronaves do estado para se deslocar a compromissos partidários e particulares, segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Foi a encontros de partidos que o apoiaram à reeleição, eventos com líderes religiosos e até a uma partida de futebol.

No segundo turno, angariou apoio do PT --sem publicidade, para evitar desgaste com o eleitorado antipetista-- e de Paulo Skaf (MDB).

Advogado de formação, Márcio Luiz França Gomes, 57, saiu da militância estudantil para a Câmara de Vereadores de São Vicente (Baixada Santista), onde liderou um grupo de insatisfeitos com a gestão municipal, do PT, que ele ajudara a eleger anos antes.

Depois de se tornar prefeito, em campanha para deputado federal, colocou-se à disposição para trabalhar na candidatura nacional de Alckmin. A aproximação com o ex-governador rendeu, em 2011, a Secretaria de Turismo do estado, onde tinha à disposição a liberação de verbas para obras em cidades turísticas.

Quatro anos depois, disputava o cargo de vice de Alckmin. Em seu reduto eleitoral, depois de transferir o poder a aliados em São Vicente, tentou emplacar seu filho Caio França, à época com 24 anos.

Foi derrotado, mas sua família voltou ao comando municipal em 2017, após seu cunhado Pedro Gouvêa (MDB) se eleger prefeito sob a promessa de que França trabalharia para a região quando Alckmin renunciasse para concorrer novamente à Presidência --e o pessebista se tornasse o novo governador.

A gestão de França no estado criou uma linha de financiamento que beneficiou exclusivamente São Vicente, com verba de R$ 8 milhões.

Quando França passou a gestão a João Doria, em 2019, o novo governador disse que o pessebista não havia feito um contrato básico: a de compra de kits de material escolar para 2,6 milhões de alunos das escolas estaduais.

OUTRO LADO

A assessoria de Márcio França afirma que, entre os principais candidatos à prefeitura, ele é o único "não tem compromisso com presidente que quer se reeleger; com ex-presidente que quer voltar ou governador que quer ser presidente".

Diz que não houve articulação para o aumento da elite do funcionalismo e que França sempre afirmou que estava proibido, por se tratar de ano eleitoral, de conceder aumento salarial. Afirma também que a denúncia sobre uso dos voos foi arquivada pelo Ministério Público após apuração e que o uso foi dentro das normas.

Sobre o kit escolar, diz que o secretário de Educação à época, "o mesmo que hoje é o secretário da pasta no governo Bruno Covas", adquiriu "corretamente a quantidade de kit escolar para suprir as necessidades do setor, mas que a gestão Doria não deve ter feito a devida entrega".

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