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Doria espalha suspeitas no PSDB, gera intrigas e acirra 'guerra de narrativas'

Por Folha de São Paulo

26/11/2021 21h07 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com as prévias presidenciais do PSDB indefinidas, o governador João Doria (SP) e seus aliados vêm questionando as regras adotadas pelo partido por, em sua avaliação, beneficiarem o rival Eduardo Leite (RS), algo que não se sustenta segundo dirigentes da sigla.

Ancorada em um problema de ordem tecnológica, a disputa política entre os governadores escalou. Aliados do gaúcho e mesmo parte da cúpula tucana passaram a rebater as desconfianças do paulista.

As acusações vão desde o uso de aplicativo em vez de urnas eletrônicas à contratação de uma fundação do Rio Grande do Sul para criar o aplicativo de votação.

No domingo (21), as prévias foram suspensas depois que a ferramenta, com 44,7 mil tucanos cadastrados, travou e apenas cerca de 3.000 conseguiram votar.

A Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), responsável pelo app, divulgou nota, nesta quarta (24), afirmando considerar "muito plausível a ocorrência de um ataque de hackers".

O PSDB testa aplicativos de empresas privadas para concluir a votação e, até esta quinta (25), não havia previsão de um novo cronograma —o prazo prometido é domingo (28). As campanhas de Doria, Leite e Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus e terceiro concorrente, pressionam pela conclusão do pleito.

A indefinição alimentou o que as campanhas têm chamado de "guerra de narrativas".

No domingo, em entrevista à imprensa, Doria afirmou que a Faurgs tem sede em Pelotas, cidade onde Leite foi prefeito e vereador. A fundação, no entanto, fica em Porto Alegre. Consultada pela Folha de S.Paulo, a entidade reforçou não ter ligação com Pelotas –nem unidades e nem projetos na cidade.

As falas do paulista, ligando a Faurgs a Pelotas, bastaram para que a militância que o apoia passasse a divulgar, nas redes sociais, a versão de que Leite recomendou ao PSDB a contratação da fundação, o que também não procede.

O PSDB diz que buscou diversas universidades públicas, incluindo USP, Unicamp e UFMG, mas somente a Faurgs topou desenvolver o aplicativo de votação num prazo apertado de 90 dias. A fundação enviou proposta com cronograma e orçamento, enquanto as demais não.

Na mesma entrevista à imprensa, no domingo, o prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado, que é um dos coordenadores da campanha de Doria, deixou isso claro.

"O processo de chamamento foi feito para todas as instituições que teriam habilidades e qualificações para aprimorar ou fazer o aplicativo. A única fundação que se dispôs a fazer no tempo que foi dado foi a fundação já expressa", disse ele.

Na época, o PSDB apostou em desenvolver um aplicativo próprio, ao custo de cerca de R$ 1,3 milhão, para que a ferramenta pudesse ser doada a outros partidos. Os tucanos pretendiam incentivar a realização de prévias em outras siglas e ganhar o crédito pela ação inovadora.

Com o fiasco da votação de domingo, o partido passou a buscar às pressas alternativas privadas que não poderão ser doadas. O uso do aplicativo da Faurgs, contudo, não foi descartado oficialmente.

Para auxiliares de Doria, existe ligação entre Leite e a Faurgs, embora não tenham apresentado comprovação disso.

Questionada pela Folha, a campanha paulista enviou nota do coordenador, Wilson Pedroso, afirmando que a informação de que a Faurgs era de Pelotas estava "na própria imprensa quando as primeiras notícias vieram a público".

"Agora o que é imperativo para o PSDB é encontrar uma solução o mais rápido possível para o término das prévias, em respeito aos filiados tucanos e à democracia", disse.

Além da escolha da fundação gaúcha, Doria demonstrou contrariedade, nos últimos dias, com a própria opção do partido por um aplicativo no lugar de urnas eletrônicas.

De fato, os problemas no aplicativo vinham sendo apontados pela campanha paulista há semanas a partir dos relatórios de auditoria da empresa de segurança cibernética Kryptus, contratada pelo PSDB.

Na avaliação da direção da sigla, embora as urnas sejam o método mais seguro, não havia, na prática, a possibilidade de viabilizar a votação por meio delas.

Mesmo se o cálculo fosse o de dez cidades para cada urna, seriam necessários mais de 500 pontos de votação pelo país e contratos com os 27 tribunais regionais eleitorais.

O PSDB teria que arcar com custos de logística e segurança, operações que, nas eleições nacionais, contam com a ajuda das Forças Armadas, por exemplo.

Nos bastidores, aliados de Leite criticam Doria pelo que consideram reduzir o Brasil aos Jardins, em São Paulo, desconhecendo a complexidade de realizar eleição nos confins do Brasil.

No entanto, para fazer um aceno à Justiça Eleitoral e homenagear a urna eletrônica, alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, o partido optou por utilizar as urnas ao menos em Brasília, para políticos com mandato que quisessem votar presencialmente.

A questão operacional foi determinante para a escolha do aplicativo, mas, nos bastidores, dirigentes do partido também entendem que só a votação pelo celular poderia ser isonômica e alcançar todos os tucanos do país. Caso a votação fosse presencial, Doria levaria vantagem.

Em São Paulo, o PSDB é mais organizado e mobilizado, além de já ter realizado duas prévias anteriores –que Doria venceu. Os paulistas teriam condições de levar filiados para a votação, enquanto estados apoiadores do gaúcho não.

A questão da preponderância de São Paulo também orientou a escolha da sigla pela votação em que filiados e mandatários têm peso diferente. Em uma derrota para Doria, a executiva nacional do partido aprovou a regra com base no princípio de equilíbrio federativo –e não para beneficiar Leite, segundo líderes tucanos.

Para eles, a votação de mesmo peso transformaria o PSDB num partido de São Paulo e não daria chance aos rivais de Doria nas prévias.

Leite tem mais adesão entre os tucanos com mandato, enquanto São Paulo tem 25% dos 1,3 milhão de filiados do PSDB. Entre os filiados mobilizados, ou seja, aqueles que se cadastraram no app para votar, a vantagem de São Paulo saltou para 62%, o que tornaria a realização de prévias desnecessária se a regra fosse a de que cada voto conta igualmente.

Pela votação em grupos estabelecida pelo PSDB, São Paulo larga com um peso de 35%, o que não impossibilita, na prática, a vitória de Leite ou Virgílio. Entre apoiadores de Doria, porém, a eleição com pesos, assim como o uso de app da Faurgs, é vista como manobra a favor de Leite.

Doria e Virgílio já afirmaram considerar que o modelo ideal é de prévias é o de que filiados e políticos tenham o mesmo poder de votos.

De acordo com aliados de Doria, as suspeitas de que as prévias estariam desenhadas de modo a favorecer Leite se confirmaram quando o presidente e o coordenador da comissão de organização das prévias, senador José Aníbal (SP) e ex-deputado Marcus Pestana (MG), entregaram os cargos um dia antes da votação e anunciaram apoio a Leite.

​Entre tucanos que compõem a executiva do partido, as desconfianças não fazem sentido. Eles argumentam que a comissão não tinha poder deliberativo.

​Em resposta, Pestana afirmou à coluna Mônica Bergamo: "A certificação da minha idoneidade são 38 anos de vida pública". Aníbal afirmou que o atacam "de forma injuriosa" depois de terem perdido na votação das regras das prévias e no que considera uma tentativa de fraude –a filiação extemporânea de 92 prefeitos e vices que acabaram excluídos da votação.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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