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Bolsonaro precisa do centrão para tocar agenda e ter voto conservador, diz empresário

Por Folha de São Paulo

05/03/2021 12h05 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Apoiador de Jair Bolsonaro (sem partido), o empresário e ativista Otávio Fakhoury, 48, afirma que a aliança com o centrão foi necessária para garantir governabilidade e que o presidente precisa avançar na agenda conservadora para garantir o voto da direita em 2022.

"O voto das pessoas de centro ele já vai ter. Ele já está mais moderado. Para ter o voto da direita, alguma coisa ele vai precisar mostrar", diz, minimizando eventuais impactos da pandemia e da crise econômica para a recondução de Bolsonaro ao cargo.

Fakhoury é investigado em dois inquéritos do STF (Supremo Tribunal Federal) que atingem aliados e apoiadores do presidente --o das fake news e o dos atos antidemocráticos. Ele diz que sempre fez militância dentro da lei.

O empresário ecoa Bolsonaro em assuntos como o combate à Covid-19 e a segurança das urnas eletrônicas, mas já se contrapôs publicamente ao mandatário em episódios como a indicação de Kassio Nunes Marques para o STF.

Em entrevista por videoconferência, ele criticou o Supremo pela prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), também investigado nos mesmos inquéritos na corte.

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PERGUNTA - O sr. militou pelo impeachment de Dilma Rousseff e depois se aproximou da campanha de Bolsonaro. Viu nele a chance de levar ao poder um projeto de direita?

OTÁVIO FAKHOURY - Exatamente. Achava que ninguém mais teria condição de levar isso adiante, depois de 30 anos de movimento constante cada vez mais à esquerda.

O que fez efeito foi aquela coisa cortante. O Bolsonaro tinha falas que chocavam, que não são pérolas de intelectualidade, mas são obviedades que pegam a pessoa simples. [Mas] não acho que se ganha uma nova eleição desse jeito. Vai ter que ser outra coisa.

Qual?

OF - A fase de quebrar a barreira já foi. Teve muita fala e agora tem que mostrar mais serviço. Mudar a prisão após segunda instância, reverter o [Estatuto do] Desarmamento. As pessoas votaram porque queriam isso. Só que a gente está vendo que está difícil.

Como ele pode agir, considerando que a eleição se aproxima e as medidas têm que passar no Congresso?

OF - Acho que ele sabe disso. De certa forma, essa aliança com o centrão foi para ter mais governabilidade. A pauta liberal vai andar na mão do centrão, porque ninguém é contra. Agora, na pauta conservadora, há setores do establishment que são.

[Bolsonaro] vai ter que dizer ao centrão: "Vocês vão passar isso, mas tem que passar isso também". Alguma coisa vai precisar passar para ele ter o voto da direita. Porque o voto das pessoas de centro ele já vai ter. Ele está mais moderado.

Então a aliança com o centrão faz sentido do ponto de vista pragmático?

OF - Faz, porque, com Rodrigo Maia [na presidência da Câmara] mais dois anos, não teria avanço, o governo não teria chance.

Como vê a mudança de Bolsonaro, que na campanha criticava a velha política?

OF - Quando disse que não ia mais fazer política do jeito antigo, talvez ele esperasse certo tipo de apoio que não teve. O povo saiu das ruas, isso o ajudava a fazer pressão. Acredito que ele achava que fosse ter mais apoio da classe militar, e não teve.

Uma coisa mudou: ele não é um governante que permite passivamente que se roube. O Lula e a Dilma sabiam que tinha roubo e faziam vista grossa. No caso do Bolsonaro, não há corrupção patrocinada por agentes do governo.

Sobre o senador Flávio Bolsonaro, qual seu nível de confiança nele?

OF - Não vi até hoje nenhuma prova contundente contra o Flávio e ainda acredito na inocência dele. Sobre o [Fabrício] Queiroz, suspeita de "rachadinha", mesma coisa.

O pessoal fala muito desse caso da casa [em Brasília] que o Flávio financiou. Ele não fez nada de errado. Falam: "Ah, poderia ter escolhido outra hora". Não entro nesse mérito. A narrativa está sempre contra ele, e ele não é tão forte na defesa quanto poderia. Isso atrapalha um pouco.

O comportamento do presidente na pandemia, classificado como negacionista e anticientífico, tem sido usado por adversários para defender impeachment. Vê risco?

OF - Para um impeachment pegar na opinião pública, o cara tem que cometer crime mesmo, corrupção, algo grave. No imaginário popular, não existe o cara ser "impichado" porque saiu sem máscara.

E em relação à gestão da crise?

OF - Agiu bem, dentro das competências que ele tinha. O STF deixou competência concorrente [entre governos federal, estaduais e municipais]. Ele virou assinador de cheques. Por que não funcionou bem em vários lugares? Aí tem que perguntar para os governadores.

Os governadores contestam essa narrativa e dizem que os repasses eram obrigatórios.

OF - [Um percentual de] 30%. Os outros 70% foram verba especial. Os governadores e prefeitos ficaram loucos com o auxílio emergencial porque virou "a ajuda do Bolsonaro" e não puderam tomar para eles.

Como seu nome foi parar nas investigações do STF e qual é sua linha de defesa?

OF - Em 2019, fiz uma reunião com influenciadores e membros de movimentos de direita para discutir como podiam atuar melhor em defesa do governo. Isso foi usado como pretexto de que ali estava reunido um grupo para combinar ataques nas redes sociais e que eu supostamente pagava todo mundo.

O que eu financiei na vida foram candidatos em eleição e caminhão de som em manifestação na Paulista, onde as pessoas gritam "fora, Dilma", "impeachment", "fora, Rodrigo Maia". Isso aí é normal, você não está lá pedindo golpe de Estado ou "matem fulano".

Já quebraram meu sigilo, pegaram computadores, celulares. A melhor linha de defesa minha foi mostrar quem eu sou. Não sou fascista, não quero o mal de ninguém, não tenho atividade ilícita.

Pode haver dentro desse grupo investigado pelo STF pessoas que cruzaram a linha e fizeram ataques às instituições e ao sistema democrático?

OF - Pode. Mas então eles têm que divulgar o que é. No caso da Sara Winter, como é que você vai derrubar um governo jogando fogos de artifício? Não é tanque. No caso de outras pessoas, não sei. Metade eu conheço, metade não. Do que já foi divulgado, não me parece ato antidemocrático.

Aplica esse raciocínio ao caso Daniel Silveira?

OF - Porque ele falou aquilo, vai derrubar alguém do STF? A instituição vai por água abaixo? É uma fala. Já vi gente da esquerda falar coisa pior e nada acontecer.

Por que então o STF reagiu prendendo Silveira?

OF - Não sei. Ainda estou esperando. Devem ter os motivos deles, com os quais eu provavelmente não vou concordar. A prisão não se sustentaria juridicamente em um ambiente normal.

Como avaliou a resposta do Congresso, com a PEC apoiada por Arthur Lira para limitar prisões de parlamentares?

OF - Foi uma resposta muito oportunista. Se você é contra esse tipo de prisão, não é via PEC [que se age]. Podia ter revogado a prisão do deputado.

Esse raciocínio de "para ele pode, mas vamos fazer uma lei aqui para não deixar isso acontecer conosco" não é honesto. Foi uma forma de convencer os deputados a deixarem o cara na cadeia, porque poderiam ser os próximos.

Quais são suas críticas ao STF?

OF - Não tenho críticas à instituição. Quando faço alguma crítica, é a alguma pessoa. O Supremo tem que existir.

Por que o sr. publicou uma carta ao presidente contra a indicação de Kassio Nunes?

OF - Entendo uma nomeação para o Supremo como política, de colocar uma pessoa com um viés semelhante ao seu. O Bolsonaro nomeou alguém que veio sem aquele viés que a gente esperava.

E não foi um evangélico, como ele prometeu.

OF - Evangélico ou não, tinha que ser um conservador. Depois, a gente viu nas decisões do Kassio que ele decepcionou.

Como está seu projeto de criar uma rádio e uma TV de cunho conservador?

OF - Está andando. Será inicialmente online e depois no sinal aberto. Após os inquéritos, começaram a atacar meu projeto como se fosse ilegal. Sou uma pessoa privada, não tenho relação com governo. O que eu vou fazer é com dinheiro próprio.

Migrei para o Instituto Força Brasil [organização privada da qual é vice-presidente] todos os meus projetos, que se juntaram aos deles. Um é o de criar uma entidade que defenda proprietários de armas de fogo, como a NRA [associação do lobby de armas nos EUA].

De onde parte a ameaça à liberdade de expressão no Brasil que o sr. considera existir?

OF - Vejo isso como algo direcionado para um lado só, calado a qualquer custo. Não é uma agenda do Supremo, é uma agenda globalista, com interesses transnacionais por trás. Big techs, agências de publicidade e departamentos de marketing. Por que o Sleeping Giants funcionou tão fácil para calar as pessoas? Porque se fechou um ciclo. Todos com o mesmo signo ideológico.

Prega substituir o pensamento à esquerda, que o sr. diz prevalecer no poder, na mídia e no setor privado, pelo oposto, à direita?

OF - Sempre gostei de debater. Mesmo sendo de direita, não quero que o meu discurso seja o único. O problema é que a esquerda quer isso. Quero que haja contraponto sempre. É curioso que o lado de lá queira eliminar o nosso pensamento. Por quê?

O sr. afirmou recentemente que Sergio Moro "e sua turma de 'justiceiros'" estão em uma enrascada por causa da revelação de diálogos dele e de procuradores. Como vê Moro no papel de juiz e no de ministro?

OF - Ele atravessou os limites da lei como juiz, como ficou demonstrado em algumas mensagens. Houve escutas ilegais, eles fizeram da Lava Jato, um processo que começou de forma legal, um poder paralelo. Nesse ponto acho que o Moro tem que responder.

E, no governo, não foi um bom ministro, porque continuou agindo dessa forma.

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