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Quando a manchete já é reportagem


Por Elizabeth Menezes

19/09/2023 8h18 — em
Ombudsman



A chegada da internet criou um novo mundo, que pode ser ainda mais novo  a cada dia e nada será igual aos tempos que passaram. A internet acabou com a ditadura do “toque”, a que os editores de jornais tinham de obedecer na hora de “parir” a manchete. A ordem vinha dos diagramadores. Exemplos: “Manchete é de 20 toques”. “Duas linhas de 15 toques”. Sim, 20 caracteres para criar a manchete e não se falava mais nisso. Era o espaço num jornal feito de papel: impossível esticar o espaço. Outra coisa: quando aparecia um anúncio, o repórter tinha de “sacrificar” até metade do material que havia produzido a duras penas. 

Tudo em nome do espaço. Afinal, “dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço”. Quem duvida da física? Porém, eis que veio a mudança e a história passou a ser outra. Talvez com a libertação dessa ditadura do papel, agora diante de um espaço infinito, manchetes de noticiários on line quase se confundem com a reportagem. Por outro lado, uma análise mais minuciosa talvez demonstre que assim é bem melhor. Especialmente para o leitor. Se quase todas as informações já constam na manchete, para que perder tempo com o restante do texto?

A coluna fez “um passeio” por alguns veículos de comunicação digital aqui do Amazonas, com a intenção de comparar com o Portal do Holanda, que já demonstra adesão ao novo “modelo”. Vejamos essa manchete: “Pintor morre ao despencar de casa enquanto fazia serviço para cliente em Manaus”. A informação está quase completa. É uma notícia triste mas, para efeito de informação ao leitor, faltaria apenas o nome do pintor, o endereço da casa onde ele estava trabalhando e o nome do cliente. “Manaus Mais Cidadão oferta mais de 130 serviços gratuitos na zona Oeste neste sábado”.

Da mesma forma: número de serviços, oferecidos na zona oeste, no sábado. Falta apenas citar o bairro e o horário. “Fim de Semana:  47 pessoas são presas e 10 adolescentes apreendidos no Amazonas”. Informação está completa no título da matéria. Essa outra: “Amazonenses obrigadas a ´bater metas´ em casa de prostituição são resgatadas em Roraima”. Tudo explicadinho. A não ser que alguém tenha interesse em saber detalhes sobre o “bater metas”. 

Numa outra, poderia ter uma economia de palavras. “Mais de 30 veículos são flagrados estacionados em vagas especiais em Manaus”. Uma redução no parágrafo não mudaria a essência da notícia: “Mais de 30 veículos são flagrados em vagas especiais em Manaus”. Ora, se foram flagrados nas vagas, é porque estavam estacionados.  E essa? “Manaus ganha novo Hospital Veterinário com tarifas sociais para pais de pets”. Aqui, até uma curiosidade: “pais de pets”. Longe o tempo em que havia “donos” dos bichinhos. Agora são “tutores”. Ou eram. Sobre a manchete? Notícia quase completa. Só é preciso saber sobre as tarifas sociais.  

SÓ EU? E OS OUTROS? 

Agora, a última manchete “escolhida” no Portal do Holanda para o presente comentário. “Editais da Lei Paulo Gustavo estarão disponíveis para consulta pública até terça-feira em Manaus”. Em tempos idos, esse poderia ser o lead da matéria (aquelas primeiras linhas que dá ao leitor as informações básicas sobre a notícia). Outra era, outra realidade. A coluna pinçou umas coisinhas de outros sites. Conforme explicado no início do texto, para efeito de comparação. A constatação: o Portal do Holanda não está sozinho nessa tendência (os nomes dos outros veículos de comunicação não serão citados). Acompanhemos.

“A ´minirreforma eleitoral´ cria brecha para Caixa 2, compra de votos, inclusive para candidaturas não femininas”, afirma Amom sobre a norma aprovada na Câmara dos Deputados” . Nessa manchete de três linhas, o leitor recebe não apenas informação sobre uma lei aprovada na Câmara Federal, mas também já fica sabendo a opinião de um entrevistado pela reportagem.  Melhor para o leitor, que pode decidir se deseja ter mais esclarecimentos sobre o assunto. Ou não. 

“Prefeito anuncia construção de cerca de 17 mil moradias durante inauguração da sede da Semhaf”. Nessa manchete, faltou apenas dizer que a sigla Semhaf significa Secretaria Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários. Pelo fato de o fato ter acontecido em Manaus, talvez nem fosse  necessário citar o nome do prefeito. Um “reparo”, digamos assim, poderia ser feito onde está escrito “...anuncia construção de cerca de 17 mil moradias...”.

Primeiro que, no caso, não deveria ser um número exato, em se tratando de moradias, algo concreto? Por que “cerca de 17 mil”? Segundo é que a preposição “de” ficou duas vezes na mesma frase. E bem juntinhas. Mas isso é apenas um detalhe. Dando prosseguimento: “Clínica escola oferece tratamento para pessoas que estão acima do peso cobrando apenas uma taxa”. Depois dessa manchete, falta apenas saber o endereço da clínica. Ao mesmo tempo, pode ser considerado um serviço de utilidade pública, o que é louvável. 

Ao finalizar, não custa lembrar de manchetes que não puderam ser apagadas e continuam provocando risos. Alguns exemplos:

“Grávida que sobreviveu a acidente está viva”.
“Protesto contra a morte de um homem terminou em protesto em SP”
“Engavetamento de 46 veículos mata quatro mortos no Chile”.
“Nevasca mata 16 mortos no Leste dos Estados Unidos”. 
“Cuba lança seu primeiro aplicativo médico para celulares”
“PCDF apreende 2 mil selos de LCD e prende quatro”.
“Médico de Lost vive cereal killer `sarado´”.

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Elizabeth Menezes, jornalista formada pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas), repórter em jornais de Manaus, a exemplo de A Notícia, A Crítica e Amazonas em Tempo. Também trabalhou na assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa.

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