Uso da mídia por partido governista impulsiona oposição em pleito polonês
VARSÓVIA, POLÔNIA (FOLHAPRESS) - Tradicionalmente polarizada desde o colapso do comunismo, no final dos anos 1980, a mídia polonesa ganhou ares de vale-tudo na eleição presidencial deste ano, com apelações sensacionalistas, acusações de fake news e abuso de poder e até uma atrapalhada tentativa de censura das paradas musicais. O episódio barulhento foi detonado quando a música preferida dos ouvintes da rádio Trojka, uma das mais populares do país, simplesmente desapareceu do site da emissora estatal no dia 15 de maio. Gravada pelo músico de rap Kazik, a paródia "Sua Dor É Melhor que a Minha" faz uma crítica velada ao ex-ministro e homem forte do partido governista, Jaroslaw Kaczynski, por ter visitado o túmulo de seu irmão quando os cemitérios estavam fechados a todos os poloneses, por causa da epidemia de coronavírus. O sucesso levou "Sua Dor" ao topo do ranking e, no dia seguinte, sumiram do site da rádio o ranking e as informações sobre a canção, o que levantou uma onda de protestos e aumentou ainda mais a repercussão da música. A direção da Trojka se justificou dizendo que havia detectado manipulação na votação, mas jornalistas apontaram interferência do PiS (Lei e Justiça), partido fundado e dominado por Kaczynski e ao qual estão ligados o atual chefe do governo, Mateusz Morawiecki, e o atual presidente e candidato à reeleição Andrzej Duda (na Polônia, presidentes não integram partidos). Jornalistas que eram estrelas da Trojka pediram demissão, músicos proibiram que suas obras fossem tocadas pela emissora e o escândalo serviu de combustível para críticos do atual governo. Segundo a analista polonesa Maria Skóra, a "trapalhada" deu de bandeja ao candidato da oposição, o prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, um exemplo muito concreto para seu slogan de campanha "já tivemos o suficiente" --crítica ao excesso de poder do PiS. "Deixou de ser uma discussão abstrata e passou a tratar de música, das paradas do rádio, algo do dia a dia de todo eleitor", disse Skóra à reportagem. A imparcialidade nunca foi regra no panorama de mídia polonesa após o colapso do comunismo. Com grau considerável de polarização, os veículos privados assumem posições que vão da centro-esquerda à extrema direita. Também não é incomum o uso político da mídia pública pelo partido do governo. "Mas a escala dessa intrusão política que vem ocorrendo nos últimos cinco anos não deve ser comparada com o que acontecia antes que o PiS chegasse ao poder", disse Dariusz Rosiak, ex-diretor de programas da Trojka, à imprensa britânica, após o episódio "Sua Dor". Não é preciso falar uma palavra do idioma local para detectar na TV polonesa os canais que apoiam o governo e os que defendem a oposição na eleição, cujo segundo turno acontece neste domingo (12). Em diferentes momentos desta quinta (9), quem ocupava a tela do canal 21 com discursos transmitidos por até 10 minutos seguidos era o presidente e candidato Duda. Aparições de seu rival, Trzaskowski, foram sempre breves na TVP, canal público e principal meio de informação nas cidades de até 20 mil habitantes, onde Duda venceu com folga no primeiro turno . Já no canal 23, a TVN24, o oposicionista teve uma entrevista transmitida ao vivo durante mais de meia hora pela manhã (nem sinal dela no canal controlado pelo governo). Uma das principais notícias da noite na TVN24 foi o resultado da pesquisa encomendada pela emissora, que mostrava empate, com Trzaskowski à frente --46,4%, contra 45,9% de Duda. Desde que venceu as eleições parlamentares, em 2015, o PiS substituiu as direções dos canais públicos, e Kaczynski tem defendido a "repolonização" da mídia. Nesta semana, o tema voltou à tona quando o PiS acusou a TVN24 (de propriedade da americana Discovery) de estar ligada ao WSI, um antigo serviço de inteligência comunista, segundo o governo. A Constituição polonesa proíbe a censura prévia e assegura a liberdade de imprensa, mas entidades como Jornalistas sem Fronteiras veem deterioração sob o governo do PiS. Por quatro anos consecutivos a Polônia cai no ranking da entidade, ocupando em 2020 o 62º lugar entre 180 países. Antes da chegada do partido de direita ao poder, a mídia polonesa era considerada livre e vinha subindo no ranking, até a 18ª posição. Além das intervenções em emissoras públicas, o governo cortou anúncios em veículos independentes ou de oposição, como o jornal Gazeta Wyborcza e as revistas Polityka and Newsweek Polska. O controle da mídia foi um dos motivos pelos quais a entidade de monitoramento da democracia Freedom House rebaixou a classificação da Polônia de democracia consolidada para semiconsolidada no relatório deste ano. Segundo agências de checagem de informação, programas da emissora pública TVP têm divulgado fake news ligadas a Trzaskowski.
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