Terror é permanente, diz à Folha de S.Paulo opositor asilado em embaixada na Venezuela
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Eles sabiam que mergulhariam em um cenário incerto, mas não calculavam que isso duraria dez meses. "Quando se é perseguido político e se toma uma decisão como esta, nunca se sabe quanto tempo pode levar", afirma Pedro Urruchurtu, 34, um dos cinco opositores venezuelanos asilados na embaixada da Argentina em Caracas.
Principal articulador da política externa de María Corina Machado, Urruchurtu está asilado na sede diplomática desde março passado. Ele concede à reportagem esta rara entrevista, a primeira ao Brasil.
Brasília está cuidando dos interesses da sede diplomática desde que, em agosto, os funcionários argentinos tiveram de abandonar Caracas como exigência do regime de Nicolás Maduro. O governo Lula (PT) insiste em salvo-condutos para que os cinco asilados possam deixar o país e já chegou a oferecer enviar um avião para buscá-los.
Interlocutores da área dizem que há resistência ao tema em algumas áreas do regime venezuelano e que o assunto está travado. Enquanto isso, os asilados relatam um contexto de privações. "São um assédio e um terror permanentes", diz Urruchurtu, que nesta entrevista por mensagens de texto descreve a rotina na sede diplomática: os cortes elétricos, a dificuldade para receber comida, o isolamento.
Junto a ele estão Magalli Meda (chefe de campanha de María Corina), Claudia Macero (coordenadora de comunicação), Humberto Villalobos (coordenador eleitoral) e Omar González (coordenador político). O regime mandou prendê-los e os acusou de delitos que incluem traição à pátria o dicionário jurídico comum contra opositores.
A Venezuela tem violado a Convenção de Asilo Diplomático assinada, ironicamente, em Caracas no ano de 1954. O documento dispõe que, caso haja ruptura da relação bilateral e o representante diplomático que deu o asilo tenha de partir, ele terá o direito de levar os asilados consigo.
*
PERGUNTA - Em que condições vocês estão? Há um gerador elétrico? Com que frequência recebem comida?
PEDRO URRUCHURTU - Nesta quinta-feira [23] completaremos dois meses sem eletricidade direta, pois a companhia elétrica levou os fusíveis. Desde então, contamos com um pequeno gerador que usamos durante alguns momentos do dia e da noite para manter os alimentos e a conectividade.
Algumas compras de farmácia e supermercado são permitidas, mas a logística é muito complexa, além de [os agentes do regime] reterem quem se atreve a trazer coisas. No fim de semana, por exemplo, tentamos pedir uma comida pronta e não permitiram a entrega, deixando o entregador esperando por uma hora e o mandando de volta.
É o tipo de coisa que vivemos ao longo de dez meses, mas que piorou nos últimos dois. Estamos em constante incerteza se deixarão entrar comida ou itens de farmácia. São um assédio e terror permanentes.
P - Em termos práticos, como o Brasil está ajudando? Há algum funcionário que leva mantimentos? Alguém do serviço diplomático do Brasil está em contato com vocês?
PU - O Brasil mantém a representação dos interesses da embaixada, e isso faz com que sua bandeira continue hasteada na residência. Houve contato a nível de Brasília, mas o contato com a embaixada do Brasil a nível local é inexistente, apesar de terem feito esforços e não serem autorizados. Temos conhecimento dos esforços do governo do Brasil para abrir uma janela de interlocução que permita verificar nossa situação, mas tem sido impossível. A representação local do Brasil só pôde nos visitar algumas vezes em agosto.
P - Já são dez meses. Alguns de vocês continuam ativos nas redes sociais, e sei que participam de debates políticos. Mas o que estão fazendo ou tentando fazer para se manterem saudáveis?
PU - A atividade diminuiu drasticamente devido às limitações e ao desgaste que uma situação como esta gera. Nos refugiamos na leitura, na meditação, na oração, assim como na atividade física. Tentamos nos manter em movimento porque é uma situação complexa. Apesar de ser um espaço diplomático, estamos submetidos a uma dinâmica de muita tensão e estresse na qual sentimos que transformaram isso em prisão. Apesar disso, estamos firmes e serenos, resistindo.
P -Há quanto tempo vocês não têm contato pessoal com suas famílias? Como se sentem?
PU - As visitas estão suspensas desde agosto, quando mais ninguém pôde entrar na residência. É difícil não ter esse apoio por perto, e a conexão que temos é o que nos permite manter o contato pelo menos de forma remota. Pode ser muitas vezes desolador, por isso encontramos entre nós o apoio de grupo, nos tornando uma família.
P - Temos pouca informação sobre o caso de Fernando Martínez Mottola, que deixou a embaixada em dezembro, apresentou-se ao Ministério Público e hoje estaria sob prisão domiciliar. Poderia nos explicar o que aconteceu com o senhor Mottola?
PU - Foi uma decisão individual e voluntária. Por respeito a essa decisão, ele deverá dar os detalhes no momento que considerar oportuno, se assim desejar. Não nos cabe falar sobre o tema.
P - O Brasil insiste que sua prioridade na relação com a Venezuela é conseguir o salvo-conduto para que vocês possam sair do país. Até agora, nada ocorreu. Como avalia a estratégia do Brasil e o que acha que é necessário fazer para que possam sair da embaixada?
PU - Agradecemos ao governo do Brasil pelos esforços do chanceler [Mauro] Vieira e sua equipe, assim como do presidente Lula. Sabemos desses esforços permanentes. Pedimos que continuem trabalhando nisso, junto a outros parceiros da região, para conseguir que se restabeleça o serviço elétrico e melhorem nossas condições enquanto insistem nos salvo-condutos que nos correspondem.
Sabemos que é uma gestão complexa e manifestamos nosso interesse em cooperar em tudo o que for necessário para que se concretize, sempre dentro do direito internacional. O asilo político e diplomático é uma referência para a região que deve ser honrada.
P - Maduro criticou a invasão da embaixada mexicana no Equador em 2024. Acha que o regime seria capaz de invadir a embaixada argentina?
PU - O cerco que vivemos em três ocasiões e especialmente este último, que já dura dois meses, nos preocupa por nossa segurança e o risco que corremos. Fica claro que isso não é um assunto que afeta apenas a Argentina, mas também o Brasil e a região. Esperamos que se cumpra a Convenção de Caracas sobre asilo diplomático e a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. As normas e compromissos internacionais são assinados para serem cumpridos e para facilitar a convivência pacífica entre nações. Nosso desejo é que sejam emitidos os salvo-condutos e respeitado nosso direito ao asilo.
P - Quando chegaram à embaixada para se asilar, tinham alguma expectativa? Imaginavam quanto tempo poderia durar o asilo? Pensavam que, dez meses depois, ainda estariam na embaixada?
PU - Quando se é perseguido político e se toma uma decisão como esta, nunca se sabe quanto tempo pode levar. Sabe-se quando entra, mas não quando sai, embora eu ache que nunca imaginamos que seriam dez meses. Mas também sabemos que houve casos de pessoas que duraram muito mais.
Foram dez meses complexos, de muita dor e sofrimento por nossos companheiros perseguidos e detidos em todo o país, mas também de convicção e compromisso cívico com eles e com a Venezuela. Um gesto importante seria que se libertassem presos políticos e que se procedesse com nossos salvo-condutos. Já foi dor e sofrimento demais para uma nação que só demandou e escolheu uma mudança.
*
Raio-X | Pedro Urruchurtu Noselli, 34
Nascido em Caracas, formou-se cientista político. É coordenador de temas internacionais do partido opositor Vente Venezuela, de María Corina Machado.

ASSUNTOS: Mundo