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'Soldado da esquerda', brasileiro atua na campanha de Gustavo Petro na Colômbia

Por Folha de São Paulo

24/05/2022 3h06 — em
Mundo



BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - O consultor político Amauri Chamorro busca adotar um perfil discreto. A postura está ligada em parte a sua personalidade, mas, para ele, atuar como marqueteiro de candidatos de esquerda em países da América Latina é mais que um trabalho: ele se considera um "soldado da segunda e definitiva independência" da região.

A discrição, por outro lado, tem a ver com acusações feitas na ocasião em que desenhou a estratégia de mídias sociais do equatoriano Rafael Correa. A campanha do ex-presidente, hoje exilado na Bélgica, foi alvo de denúncias de que tinha armado "troll centers", uma espécie de gabinete do ódio virtual destinado a difamar opositores e influenciar a narrativa nas redes. Chamorro nega que tenha atuado fora da lei.

Sua atuação na campanha presidencial colombiana como colaborador na consultoria política da coalizão de esquerda Pacto Histórico, do líder nas pesquisas Gustavo Petro, vinha sendo também discreta e informal. Isso até o momento em que Daniel Quintero, prefeito de Medellín e membro da aliança, foi suspenso do cargo pela Procuradoria, acusado de realizar propaganda política —algo que a legislação eleitoral do país proíbe.

Chamorro foi chamado a acudir Quintero. Voou de Bogotá, onde está trabalhando nos últimos meses, a Medellín e subiu com o político no palco, buscando ajudar na operação de contenção de danos e na campanha que o prefeito suspenso faz para tentar voltar ao cargo. Aí então a presença nos bastidores foi descoberta e ele virou alvo de atenção e ataques nas redes —chegou até a ocupar os trending topics (assuntos mais comentados) no Twitter colombiano.

Chamorro não é parte da equipe oficial de comunicação e propaganda de Petro, mas como consultor político dos candidatos do Pacto Histórico desenhou, entre outras coisas, a estratégia de comunicação digital do candidato presidencial.

A eleição terá seu primeiro turno no próximo domingo (29). As pesquisas mais recentes indicam uma liderança clara do esquerdista Petro (40,6%), seguido pelo direitista Federico "Fico" Gutiérrez (27,1%), ex-prefeito de Medellín, e pelo populista de direita Rodolfo Hernández (20,9%). O terceiro vem em uma escalada, na qual já atropelou o centrista Sergio Fajardo nas intenções de voto e acaba de receber o apoio de Ingrid Betancourt, que desistiu da campanha. Se houver segundo turno, ele ocorrerá em 19 de junho.

Depois de trabalhar com o equatoriano Rafael Correa, Chamorro participou das campanhas de Pedro Castillo no Peru, Nicolás Maduro na Venezuela, Evo Morales e Luis Arce na Bolívia, Sanchez Cerén em El Salvador e, mais recentemente, Andrés Arauz, apadrinhado de Correa derrotado na mais recentes eleição do Equador.

Ele também assessora mandatários, fazendo análises da conjuntura política. "É muito duro para mim estar exposto como alguém que colabora com a esquerda porque há um estigma muito grande sobre esse campo. Já recebi várias ameaças, até coroa de flores já entregaram na minha casa", conta à reportagem, por telefone, de Medellín.

Filho de militantes de esquerda, Chamorro nasceu em Quito em 1978. Sua mãe, que é brasileira, havia se exilado por causa da ditadura militar e conheceu lá o marido, equatoriano. A família depois se mudou para o Brasil, e o consultor cresceu na Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, para mais tarde estudar jornalismo na Universidade Anhembi Morumbi e ir à Espanha para realizar uma pós-graduação em comunicação estratégica.

Para Chamorro, é equivocado dizer que a Colômbia é um país conservador e que, por isso, nunca teve um presidente de esquerda. "A esquerda democrática não teve condições de romper com as estruturas de poder da elite. Quando se fundou o partido União Patriótica, com ex-guerrilheiros que se comprometeram a desmobilizar a luta armada, eles foram praticamente todos exterminados [houve mais de 4.000 assassinatos]", diz.

"Depois disso, a esquerda carregou certo estigma da relação com a guerrilha, mas é importante lembrar que a esquerda mais democrática, que surge com o Partido Liberal, também foi perseguida." Era dessa legenda Luis Carlos Galán, morto em um comício quando concorria à Presidência, em 1989. Chamorro acrescenta o assassinato de Jorge Eliecér Gaitán, em 1948, aos duros golpes às forças progressistas. "E apenas agora, em 2022, temos um candidato de esquerda com chances de vencer."

Mas ele pondera que mesmo nesse cenário foram registradas conquistas sociais caras a esse campo. "Tanto há um pensamento progressista enraizado na Colômbia que os avanços nos direitos civis são possíveis, como a questão da eutanásia", afirma. O país também descriminalizou recentemente o aborto.

Chamorro crê que há menos pontos comuns entre a chamada "nova esquerda", que vem ganhando eleições nos países da região, e a onda que governou nos anos 2000-2010. "Existem contradições de posturas e de compromissos", aponta, lembrando que alguns mandatários hoje buscam se distanciar dos regimes de Venezuela, Nicarágua e Cuba, "que tiveram de adotar posturas contraditórias para chegar ao poder".

Segundo ele, há ainda diferenças de origem. "[O chileno Gabriel] Boric vem de uma esquerda estudantil não muito internacionalizada, enquanto Arce e [o argentino Alberto] Fernández são ex-funcionários de gestões anteriores e têm mais experiência, embora tenham ainda de afirmar sua imagem, diferentemente de Lula —que, se ganhar, é alguém que todo mundo conhece", diz.

"O que une essas esquerdas é o enfrentamento a esse obscurantismo fascista que existe hoje em vários países."

Para ele, a comunicação da esquerda nas eleições tem errado ao colocar o foco apenas nas redes sociais. "É hora de abandonar o Twitter e voltar às ruas. É a força que esse campo possui."


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