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Referendo húngaro põe em xeque plano europeu para refugiados

Por Agência O Globo

30/09/2016 4h00 — em
Mundo



RIO - Enquanto a União Europeia (UE) busca maneiras de conter a chegada de refugiados ao continente, e acolher aqueles que enfrentaram longas jornadas por terra e mar fugindo de cenários desoladores em países da Ásia e da África, eleitores húngaros irão às urnas no domingo em consulta popular sobre o plano do bloco de redistribuição de imigrantes. Embora a validade do resultado final seja nula — uma vez que, segundo os tratados da UE, Bruxelas tem o poder de determinar cotas de refugiados a serem abrigados por cada Estado-membro, a consulta popular é vista como uma reavaliação do próprio bloco, e das decisões tomadas desde o ano passado para controlar a crise migratória, a pior a atingir o continente desde a Segunda Guerra Mundial.

Desde a metade do ano passado, o governo húngaro e o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, têm se destacado pela forte resistência à aceitação de refugiados. Em maio de 2015, Orbán foi um dos mais ferrenhos opositores ao plano de abrigo a imigrantes proposto pela Comissão Europeia, e nos meses seguintes, o governo deu início à construção de cercas em suas fronteiras com Sérvia e Croácia, além de ampliar a militarização na divisa com a Eslovênia. Nos últimos meses, o governo gastou cerca de € 16 milhões (mais de R$ 58 milhões) numa campanha para convencer o eleitorado a não apoiar o projeto da UE. Cartazes e panfletos foram distribuídos com mensagens associando o acolhimento de imigrantes a crimes contra a população feminina, perda de controle da lei e da ordem, e risco à cultura local.

— A propaganda do governo busca alienar a população e usa retórica agressiva, referindo-se aos refugiados como “pragas tóxicas”. E esse tipo de resposta tem encontrado eco em países da Europa Central, como República Tcheca, Eslováquia e Polônia — afirmou ao GLOBO o pesquisador da Anistia Internacional Todor Gardos, coautor do relatório “Stranded Hope” (“Esperança encalhada”, em tradução livre), divulgado pela ONG.

O documento revela um cenário de repetidos ataques por parte do governo húngaro aos direitos de refugiados.

O “não” ao plano da UE é apoiado tanto pelo Fidesz, partido de Orbán, como pelo Jobbik, legenda nacionalista de extrema-direita — o Partido Liberal Húngaro é a única legenda apoiando abertamente o projeto europeu. Em 2015, o país aprovou cerca de 15% dos 3.420 pedidos de asilo que recebeu, um dos índices mais baixos da Europa.

O tratamento destinado aos imigrantes no país também é motivo de polêmica. Embora o acordo firmado entre a Turquia e o bloco em março tenha diminuído consideravelmente o número de refugiados que seguem pelos Bálcãs e pela Europa Central na tentativa de chegar a países como Suécia e Alemanha, a repressão aos migrantes na Hungria se intensificou desde então. No início do mês, os países nórdicos assinaram uma carta expressando “profundas preocupações” com a recusa do país em aceitar os imigrantes, e pedindo uma resposta do comissário de Migrações da UE, Dimitris Avramopoulos, ao que classificaram como “uma violação inaceitável das normas do bloco”. Já o ministro das Relações Exteriores de Luxemburgo, Jean Asselborn, afirmou que a Hungria deveria ser expulsa da UE “por violar valores democráticos e tratar refugiados como animais”.

— Uma nova lei, aprovada em junho e colocada em vigor no mês seguinte, deu a policiais e militares o direito de deter qualquer pessoa suspeita de ser um imigrante ilegal, que por sua vez fica sujeita a ser processada criminalmente — disse Gardos. — Na maior parte dos casos, os imigrantes são levados à fronteira. Muitos tentam entrar novamente, enquanto outros preferem se arriscar em rotas diferentes, mais longas. Aqueles que querem pedir asilo na Hungria devem passar pelas chamadas “zonas de trânsito”, na qual não há instalações capazes de abrigá-los, muitas vezes por meses.

No entanto, apesar dos esforços de ONGs e da oposição, pesquisas indicam que a rejeição às cotas deve sair amplamente vitoriosa domingo. Embora o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, já tenha afirmado que o resultado do referendo não terá efeito sobre as leis do bloco, o analista político Péter Krekó afirmou ao canal Euronews que Orbán pretende usar a consulta para se fortalecer politicamente, buscando ao mesmo tempo aumentar as chances de reeleição em 2018 e apresentar-se como um líder continental.

Apesar de o projeto da UE prever multas de até € 250 mil (R$ 900 mil) por cada refugiado recusado, a possibilidade de sanções econômicas mais severas ao país, uma medida já discutida por vários líderes, esbarra nas regras do bloco, que exigem uma votação unânime — algo improvável dado o apoio que a Hungria tem recebido de nações vizinhas.

Anteontem, a UE apresentou um balanço da divisão de requerentes de asilo entre os Estados-membros. Apesar dos elogios que Avramopoulos teceu a Bélgica e Alemanha, que se comprometeram a receber mensalmente um número fixo de refugiados, o bloco redistribuiu apenas 5.651 requerentes de asilo que chegaram a Itália e Grécia, um equivalente a 3,5% dos 160 mil refugiados que os líderes europeus se comprometeram a realocar, até o fim de 2017, no ano passado.

— O referendo deve reforçar a visão anti-imigração do governo, mas a Hungria e a UE têm falhado no combate à crise migratória e têm a responsabilidade de tratar cada uma dessas pessoas de maneira digna — explicou Gardos. — Esse é um problema que deve ser solucionado por meio da cooperação, e a Europa não fez sua parte.

Eleitores terão pela frente uma única questão: “Você quer que a UE seja capaz de impor a redistribuição obrigatória de cidadãos estrangeiros no país, mesmo sem a aprovação da Assembleia Nacional?”

A Hungria liga os países da península balcânica à Áustria, o que deixa o país na rota dos imigrantes que chegam à Grécia e seguem rumo a países como Alemanha e Suécia.

Pesquisas apontam que 82% dos húngaros acreditam que imigrantes serão um fardo, enquanto 76% acreditam que os refugiados aumentam os riscos de atentados terroristas no país

Embora Bruxelas afirme que o resultado do referendo não altera a diretrizes da EU, a retórica do premier Viktor Orbán tem se espalhado, principalmente por países da Europa Central, o que pode dificultar os planos do bloco

O governo húngaro investiu pesado numa campanha baseada no medo, classificando refugiados como criminosos e ameaças à cultura nacional


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