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Recall na Califórnia testa se aversão ao trumpismo segue capaz de mobilizar democratas

Por Folha de São Paulo

14/09/2021 17h06 — em
Mundo



WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Os eleitores da Califórnia vão às urnas nesta terça-feira (14) para decidir se o governador Gavin Newsom deve seguir no cargo ou não, em um pleito no qual o trumpismo e os democratas voltam a medir forças pela primeira vez desde a conturbada eleição presidencial de 2020.

A votação ocorre porque o estado tem um mecanismo chamado "recall", segundo o qual o governador pode ser retirado antes do fim do mandato. Não é preciso ter uma razão específica: basta obter assinaturas de ao menos 12% do eleitorado, em cinco condados diferentes, para iniciar o processo.

Caso os moradores do estado considerem que Newsom, um democrata, deve ser tirado do cargo, o eleitor terá de apontar em seguida quem deve tomar o posto. Há 46 candidatos na disputa, e o principal nome é o do republicano Larry Elder, um apresentador conservador de rádio.

Newsom é criticado pelos republicanos por ter adotado medidas duras no combate à Covid, como o fechamento de estabelecimentos por longos períodos e a exigência do uso de máscaras. Elder, por exemplo, afirmou em um comício que as decisões foram arbitrárias e extremas. "Gavin Newsom fechou este estado de um jeito mais severo do que fizeram os outros 49 governadores."

O democrata, por sua vez, vem lembrando que a Califórnia baixou o total de novos casos da doença nas últimas semanas e está em situação melhor do que a de alguns estados geridos pelo partido rival.

Estado mais populoso dos EUA, com 39 milhões de habitantes, a Califórnia teve 4,6 milhões de casos e 67 mil mortes por Covid desde o início da pandemia. Houve uma nova alta de casos a partir de agosto, mas os números passaram a cair em setembro. A média de mortes diárias pela doença está em torno de 150 por dia. No auge da pandemia, eram 700. O estado tem 68,3% de sua população plenamente vacinada, acima da média nacional, que está em 54,5%.

Há décadas os democratas costumam ter vitórias confortáveis no estado, e a expectativa é a de que o resultado se repita agora. Pesquisas apontam que Newsom deve obter em torno de 60% de apoio.

Mesmo assim, o presidente Joe Biden foi até a Califórnia fazer campanha para o governador, em um sinal de que a disputa tem importância nacional. "A decisão que vocês vão tomar não terá apenas impacto na Califórnia. Vai reverberar por toda a nação", disse ele, para quem Elder é um "clone de Donald Trump".

​A tática de acenar com a possibilidade de impulsionar a volta de Trump ao poder a partir da derrota local, aliás, foi uma das tônicas da campanha, e Newsom chegou a dizer que "o trumpismo ainda está na urna".

Além do presidente, outras figuras de peso, como a vice Kamala Harris, o ex-presidente Barack Obama e o senador independente Bernie Sanders, também deram apoio público ao democrata.

Newsom, 53, jogou beisebol na juventude, o que lhe ajudou a conseguir uma bolsa para estudar ciência política na universidade. Nos anos 1990, ele abriu uma vinícola em Oakland, além de outros negócios nas áreas de hotelaria e restaurantes. Na mesma época, entrou na política. Em 2004, aos 36 anos, assumiu a prefeitura de San Francisco, cargo no qual ficou até 2011. Depois, se tornou vice-governador por dois mandatos e, em 2018, foi eleito para comandar o estado. Ele defende ideias progressistas, como os direitos LGBT, os direitos dos imigrantes e mais acesso à saúde e moradia.

Nos anos 1990, enquanto Newsom investia em vinhos, Elder, 69, dava início à sua trajetória na TV e no rádio. Formado em direito, ele se tornou produtor e apresentador de programas políticos com conteúdo conservador e de direita. Nos últimos anos, tem sido um apoiador fervoroso de Trump. "A eleição de 2016 foi uma intervenção divina. Foi um milagre. Ele [Trump] é quase um enviado de Deus", afirmou, em 2019.

As primeiras horas de votação nesta terça ocorreram de modo tranquilo. Em Los Angeles, os transportes públicos, incluindo o empréstimo de bicicletas, estão com tarifa grátis, para facilitar os deslocamentos e estimular mais gente a ir votar.

As urnas fecham às 20h (meia-noite em Brasília), e uma parcial dos votos enviados antecipadamente pelo correio deve ser divulgada logo depois desse prazo. Todos os 22 milhões de eleitores receberam cédulas pelo correio, e ao menos 8,7 milhões deles haviam enviado seus votos desta forma até a noite de segunda.

O resultado final, no entanto, deve levar dias. As regras atuais determinam que cédulas que chegarem pelo correio até três dias depois da data do pleito devem ser contadas.

Outro ponto que deu peso à disputa é que o governador tem o poder de nomear um novo senador caso uma das vagas do estado fique em aberto. Uma das parlamentares da Califórnia, a democrata Dianne Feinstein, tem 88 anos. Se ela deixar o cargo e um governador republicano estiver no poder, ele poderia indicar um nome do partido, que, assim, passaria a ter maioria no Senado, hoje dividido entre 50 democratas e 50 republicanos —o desempate é da vice-presidente, Kamala.

Na Califórnia, 44% dos eleitores registrados se declararam democratas, 35% disseram ter afinidade com os republicanos e 23% não informaram preferência ao se cadastrarem. Ao todo, 30% dos eleitores têm origem latina, uma fatia que se afastou dos republicanos em razão do discurso anti-imigração. Assim, sem grandes chances de vitória, poucos membros de peso da legenda fizeram campanha no estado, mas os que foram adotaram táticas trumpistas, como questionar o sistema de votação. Elder, por exemplo, recusou-se a dizer se aceitará o resultado.

A esperança republicana é que os democratas deixem de comparecer às urnas. Assim, a votação na Califórnia serve para aferir se a aversão ao trumpismo segue capaz de mobilizar os rivais, como ocorreu em 2020.

Newsom tem mandato até janeiro de 2023 e, mesmo que vença agora, terá de disputar a reeleição normalmente no ano que vem. Uma vitória no recall por vantagem pequena pode indicar perda de força para disputar um novo mandato. Uma diferença expressiva, por outro lado, terá um bom impulso para 2022, inclusive para disputar cargos federais.

Caso a remoção do democrata seja aprovada, o novo governador eleito tomará posse daqui a 38 dias e ficará no cargo até o fim do mandato atual, e terá pouco mais de um ano no poder.

Votações de recall são comuns na Califórnia, mas até hoje apenas uma vez um governador perdeu o cargo dessa forma. Em 2003, o democrata Gray Davis deu lugar ao republicano Arnold Schwarzenegger. O ator foi reeleito depois, em 2006, e ficou no poder até 2011. Schwarzenegger não disputou outros cargos desde então, mas segue próximo da política: se tornou crítico de Trump e defensor do combate às mudanças climáticas.


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